15.8.06

Crítica TV - Novela "Páginas da Vida"



Crítica: "Páginas da Vida" se iguala ao Ratinho com vídeo do orgasmo



SÉRGIO RIPARDO
Editor de Ilustrada da Folha Online
17/07/2006 - 23h50



"Páginas da Vida" se igualou ao programa do Ratinho ao mostrar uma senhora de 68 anos, falando, com seu linguajar simples, sobre o primeiro orgasmo. Pior foi a retórica da Globo, admitindo que "houve excesso" e que submeterá os depoimentos a sua área de controle de qualidade. Ainda existe esse departamento?

A emissora vende a idéia de que a exibição do depoimento no horário nobre foi uma exceção, acidental, que fugiu ao seu "controle de qualidade". Só os ingênuos acreditam nesse discurso. Quem colocou no ar sabia muito bem o efeito desejado. Não seria surpresa nenhuma que se descobrisse que se recebe cachê para dar esse tipo de depoimento.



Lembre-se que a novela começou com ibope baixo. A preocupação da Globo com o texto de "Páginas da Vida" também é tardia. Na quinta-feira, já houve o caso do strip-tease de Ana Paula Arósio com sua personagem implorando ao marido ("Quero uma, duas, três vezes. Vem dormir dentro"). O ibope subiu. Isso é que interessa, na visão dos executivos da emissora.



As chamadas "Senhoras de Santana" podem espernear com a sexualidade desenfreada na TV. Para o Ministério da Justiça, a partir das 21h, lugar de criança é na cama. A novela é recomendada para maiores de 14 anos, grupo capaz de achar qualquer assunto, como sexo, na internet.


Ou seja, a Globo poderá apimentar a novela, sem risco de ser incomodada pelo governo. O telespectador mais conservador vai chiar, mas não deve parar de ver a novela. Afinal, é preciso patrulhar a trama. Vinga a idéia do "fale mal, mas fale de mim". A celeuma ajuda a levantar o ibope.


Para manter vivo o interesse por "Páginas da Vida", principalmente neste início, quando alguns ainda estão de ressaca com o fim de "Belíssima", a novela de Manoel Carlos precisa criar factóides, atraindo a atenção da mídia e, por conseqüência, dos telespectadores.



Primeiro, foi a cena do arrastão no Rio. Depois, o strip-tease da personagem Olívia. Agora, a idosa da "calcinha babada" por "gozar", sozinha, após ouvir uma canção de Roberto Carlos. Ninguém será demitido por isso, mas, bingo, quem não sintonizava a novela poderá sentir curiosidade.



Hoje, o pior da linguagem coloquial invade todos os canais, como SBT e Rede TV!. Até a Record, a chamada TV da Igreja Universal, apela no palavreado e nas imagens sensuais. Sob a desculpa de ser uma obra de realismo, "Páginas da Vida" vai continuar "aloprando" no português e na exploração do corpo.



Claro que soa preconceito social condenar uma "senhora do povo", como a do depoimento do orgasmo, por usar expressões de seu mundo para relatar uma experiência sexual. O público mais recatado odeia termos chulos. A elite até abre licenças "poéticas" para o baixo calão: se fosse filme de Quentin Tarantino e Pedro Almodóvar, tudo bem. Mas novela, não.



"Páginas da Vida" não é uma obra de Nelson Rodrigues (1912-1980), embora Manoel Carlos o imite com o estilo "a vida como ela é". No fim, a novela será julgada pela receita publicitária que gerou. É o que importa para a Globo. Cabe ao público decidir se quer fazer parte desse jogo.



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