23.12.08

3.11.08

Entrevista com Demétrio Magnoli

Uma vitória da razão

Para o sociólogo, as últimas eleições mostraram que os brasileiros não se deixam mais levar pela conversa de que toda esquerda é boa e toda direita é má

foto Lailson Santos

O paulistano Demétrio Magnoli, de 49 anos, faz parte de uma categoria de intelectuais – rara no Brasil – que se notabiliza tanto pelo conhecimento acadêmico, como pela habilidade para escrever sobre temas complexos de maneira clara e objetiva. Sociólogo e doutor em geografia humana, Magnoli integra o Grupo de Análises da Conjuntura Internacional, da Universidade de São Paulo, e é autor de mais de uma dezena de livros didáticos. Em sua coluna nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, ele expõe análises aprofundadas de política mundial e críticas incisivas às manifestações de pensamento único na sociedade e no governo brasileiros. Magnoli concedeu, descalço, a seguinte entrevista a VEJA, em seu apartamento, em São Paulo.

Os conceitos de esquerda e direita estão ultrapassados?
Não, desde que sejam compreendidos no marco da democracia. No sistema democrático, há uma tensão permanente entre liberdade e igualdade. A primeira está associada à direita democrática, para a qual existe um conjunto indissociável de liberdades: a de expressão e organização, a econômica e a de pluralidade de opiniões. Já o conceito de igualdade está associado à esquerda democrática, que defende a necessidade de restringir um pouco a liberdade econômica para que as desigualdades não cresçam muito. As democracias maduras oscilam entre a direita e a esquerda, em busca ora de mais liberdade, ora de mais igualdade. Essa é a história das eleições na Europa e nos Estados Unidos no último meio século. Acredito que a história do Brasil também será essa. Trata-se de algo muito diferente dos conceitos de esquerda e direita não-democráticas, estes, sim, ultrapassados.


"O filósofo francês Raymond Aron disse que o marxismo é o ópio dos intelectuais.
Isso porque lhes oferece a ilusão de que são donos de um saber maior: o do fim
da história. É natural que uma ideologia que afirme isso os seduza"



Em certos círculos, dizer que algo é "de direita" serve para desqualificar desde filmes até valores morais. Qual é a explicação para esse uso do termo "direita"?
A palavra "direita" esteve associada no século XX ao fascismo e ao nazismo. Tais regimes foram condenados de maneira absoluta pela população mundial. Em países da América Latina, em particular, a direita foi ligada a regimes militares. Por isso, no Brasil, a expressão "direita" ainda é usada, embora cada vez com menor freqüência, como sinônimo de tudo o que deve ser rejeitado. Já o termo "esquerda" costuma ser relacionado a uma idéia de transformação humanista do mundo, imaginada a partir da Revolução Francesa e das lutas sociais do século XIX. Muita gente esquece que elas, em sua origem, deceparam milhares de cabeças por meio da guilhotina. Assim como esquece a brutalidade do stalinismo e do maoísmo, no século XX.

O senhor acredita que o preconceito contra a direita tende a diminuir?
Sim, e isso acontece quando um país experimenta a esquerda no poder, como é o caso do Brasil, hoje. Nos países de democracia madura, o argumento "isso é de direita" não serve para encerrar uma discussão. Não gosto do governo Lula, mas ele está sendo bom para o nosso amadurecimento político. O PT no poder revelou a esquerda que faz o mensalão, persegue o caseiro, tenta controlar os meios estatais para os seus próprios fins e confunde estado com governo e partido. Com o tempo, os brasileiros vão se convencer de que os partidos de direita e de esquerda devem existir dentro de um mesmo espectro político, desde que aceitem a democracia. Essa mudança de percepção pode ser verificada nas últimas eleições municipais. A classe média de São Paulo, que no passado votou em massa em candidatos do PT, agora elegeu Gilberto Kassab e não o vê como um candidato da velha direita – apesar de pertencer ao DEM, o antigo PFL. Os eleitores não compraram a idéia de que as eleições eram a luta do bem contra o mal, como a campanha do PT tentou vender. O PT imbuiu-se, nessas eleições, da missão de eliminar o DEM. A idéia de eliminar um partido, de centro-direita ou não, é antidemocrática. O que o discurso do PT revela é o desejo de ser partido único. Resultado: a classe média que acreditou no PT agora desconfia de sua natureza democrática.

Pode-se dizer que a ideologia serviu de pretexto para a corrupção do PT?
A corrupção é um fenômeno muito antigo na história do Brasil e completamente suprapartidário. O que espantou muita gente foi o estilo PT de corromper – e que, claro, tem a ver com a sua visão de mundo. O partido apresentou um modo centralizado de praticar a corrupção. Ao contrário da prática tradicional, feita em nome de interesses localizados, o PT deliberou e organizou a corrupção a partir da sua cúpula. Isso provocou uma ruptura muito grande entre o partido e boa parte do seu eleitorado tradicional, principalmente nas grandes cidades.

A vontade de ser partido único não é um anacronismo?
A verdade é que a queda do Muro de Berlim fez muito mal ao PT. O fracasso da União Soviética e de seus satélites no Leste Europeu tirou de cena o foco da crítica petista, que em sua origem repudiava o chamado socialismo real. A partir daí, o partido tomou um rumo regressivo e foi dominado por três grupos. O primeiro é a corrente de origem castrista, representada, entre outros, por José Dirceu. O segundo é o dos sindicalistas, notadamente os que controlam a CUT. O terceiro é formado pelas correntes católicas ligadas à Teologia da Libertação, cujo principal representante é Frei Betto, que foi um alto assessor de Lula. Com isso, o PT adotou uma ideologia retrógrada do estado como salvador da sociedade. Deixou de fazer qualquer crítica ao socialismo real – a não ser em dias de festa, em documentos para inglês ver – e passou a falar como um velho partido comunista de outros tempos. O PT se tornou uma agremiação de esquerda estatizante, para a qual a história é uma ferrovia cujo destino final é a redenção da humanidade – e que vê a si própria como a locomotiva do comboio. Esse é o conceito de história que deveria ter desaparecido depois de 1989, com a queda do Muro de Berlim. Ao encampá-lo, o PT se tornou uma espécie de relíquia.

Por que a universidade brasileira ainda é um centro irradiador do marxismo?
Isso é verdade apenas em parte. Há bastante crítica à esquerda tradicional e stalinista nas universidades. Mas, sem dúvida, é fato que existe um apoio grande a essa ideologia no meio acadêmico. O filósofo francês Raymond Aron (1905-1983) disse que o marxismo é o ópio dos intelectuais. Isso porque o marxismo lhes oferece a ilusão de que são donos de um saber maior: o do fim da história. Como conseqüência, os intelectuais teriam a função de dirigir a sociedade. É natural que uma ideologia assim os seduza. Afinal de contas, dá a eles uma perspectiva de poder, influência e prestígio que o simples compromisso com a democracia não permite.

O que explica a ascensão dessa esquerda obsoleta em países da América Latina?
A falta do espelho do socialismo real na União Soviética e no Leste Europeu faz com que a esquerda latino-americana se entusiasme com governantes como Hugo Chávez. A esquerda latino-americana ainda imagina que deve construir o mundo de novo. Chávez, da Venezuela, Evo Morales, da Bolívia, Rafael Correa, do Equador, e Lula são muito diferentes entre si. Mas o que há em comum entre os partidos e os movimentos que apóiam esses governantes é a noção do estado como instrumento de salvação. Essa é uma idéia fundamentalmente antidemocrática. Não há nada parecido com isso fora da América Latina.


"A hostilidade à liberdade de imprensa é tão ampla no PT que apareceu em uma
resolução oficial da direção nacional do partido, durante o escândalo do
mensalão. O documento acusava os veículos de comunicação de golpismo"


Quem são os principais entusiastas de Chávez no Brasil?
Não é verdade que o PT como um todo siga Chávez, mas existem no seu interior correntes que o fazem. O chavismo exerce forte sedução sobre a sua Secretaria de Relações Internacionais. Acho triste que a direção nacional do partido tenha chegado ao ponto de soltar uma nota oficial em apoio ao fechamento, por motivos políticos, do canal venezuelano RCTV. Essa nota não foi contestada pelos parlamentares do PT de quem se esperaria uma palavra em defesa da democracia, como Eduardo Suplicy e José Eduardo Cardozo.

Como o senhor avalia a política externa brasileira?
A política externa brasileira tem duas cabeças. A oficial, que segue a linha histórica do Itamaraty, e a extra-oficial, que é a política externa do PT, representada por Marco Aurélio Garcia, assessor de Lula, que boicota a diplomacia tradicional. Garcia acha que a integração latino-americana deve ser feita em bases nacionalistas e antiamericanas, quase chavistas. Ele recusa que a América do Sul deva participar da globalização – o que significa recusar a realidade. Por isso, o Brasil deixou de falar duro com Evo Morales diante do aparatoso cerco militar às instalações da Petrobras, das intimidações contra agricultores brasileiros na Bolívia e da ruptura unilateral de contratos que estabeleciam o valor das refinarias. Logo, logo vamos ter uma crise no Paraguai. Temo que o governo Lula faça pouco para defender os agricultores brasileiros naquele país.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, o processou em 2006 e depois retirou a acusação. O que ocorreu?
Ele abriu um processo em razão de um artigo que escrevi, intitulado "Ministério da classificação racial". No ano anterior, Tarso Genro, o ministro itinerante do governo Lula, ocupava a Pasta da Educação e determinou que as escolas brasileiras passassem a incluir o item "raça/cor" nas fichas de matrícula dos alunos. Tarso Genro abriu um processo penal contra mim – e por meio da Advocacia-Geral da União – porque critiquei essa medida. Quando foi indicado para o Ministério da Justiça, ele retirou o processo. Imagino que considerou constrangedora a possibilidade de um ministro da Justiça perder um processo. Sabe-se que Tarso Genro, no Rio Grande do Sul, abria processos em grande quantidade contra jornalistas, para intimidá-los.

Essa estratégia de intimidação, aliás, passou a ser muito usada por setores do governo.
Existem divergências dentro do governo sobre liberdade de imprensa. Alguns membros do governo e do PT acham que se trata de um valor fundamental. Outros, e são muitos, acreditam que o país ideal é Cuba, onde há um partido único e um jornal único. A hostilidade à liberdade de imprensa é tão ampla no PT que apareceu em uma resolução oficial da direção nacional do partido, durante o escândalo do mensalão. O documento acusava os veículos de comunicação de golpismo.

No início da década de 90, os pais dos alunos de um colégio tentaram impedir que um professor adotasse um livro seu, sob o argumento de que o senhor era comunista. Sua visão de mundo mudou ou os pais estavam errados?
Minha visão de mundo não é a mesma de vinte anos atrás nem, menos ainda, a de trinta anos atrás. Na faculdade, nos tempos da ditadura militar, eu participei de uma organização trotskista, a Liberdade e Luta (Libelu), cujo verdadeiro nome era Organização Socialista Internacionalista. Quando escrevi meus primeiros livros, no entanto, já havia rompido com a organização e não me via mais como alguém de esquerda ou comunista. Meu primeiro livro didático, de 1989, era detestado pela esquerda. Talvez os pais desse colégio estivessem um pouco assustados com fantasmas do passado.

Como é a relação com os seus amigos que ainda nutrem admiração por figuras como Che Guevara e Hugo Chávez?
Eu não tenho amigos que gostam de Hugo Chávez, Che Guevara ou Fidel Castro. Simplesmente porque nunca tive amigos stalinistas. Eu tenho amigos que os trotskistas consideram pertencentes à direita feroz. Quando convido todos para uma mesma festa, começa um debate que, obviamente, nunca vai terminar. O debate político não deve impedir as pessoas de se tratar decentemente, mas a atividade intelectual pressupõe o exercício da crítica. Intelectuais que elogiam governos têm algum problema. Provavelmente querem um emprego.
Fonte: revista VEJA - Edição 2085 - 5 de novembro de 2008
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Exercício:
O trecho abaixo foi retirado da entrevista com o sociólogo Demétrio Magnoli. A partir da afirmativa, desenvolva uma redação dissertativa argumentando a respeito do pensamento do autor e mostrando exemplos acerca de suas idéias.
"As democracias maduras oscilam entre a direita e a esquerda, em busca ora de mais liberdade, ora de mais igualdade".
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“Salutar só é quando no espelho da alma humana se forma a comunidade inteira, e na comunidade vive a força da alma individual".


Rudolf Steiner
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Atividade:
Pesquise quem foi Rudolf Steiner, escreva um breve perfil dele e desenvolva uma redação com o tema da frase aqui publicada.
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31.10.08

Super Nanny



Super Nanny te faz refletir como a mim? Independentemente de qual tenha sido a origem deste programa, a questão do educar é posta à prova. De pais e filhos. Melhor: de pais capitalizados e filhos capitalizados. Sim! A questão nunca gira em torno da falta de dinheiro, das condições escolares, de política, economia ou algo que o valha, mas na falta de tempo dos pais para com os filhos. Basicamente! O que resulta na falta de atenção. Basicamente! Até que chega a hora e a vez da indisciplina infantil. Basicamente! E não há dinheiro que dê conta, basicamente! É quando entra a figura da babá, super, com suas dicas valiosas:

- pai, brinque com seu filho.
- mãe, imponha limites.
- programem passeios.
- tenham paciência, mostrem caminhos.
- digam o que é certo e o que é errado.
- faça-os entender: a casa, a rua, a escola, o bairro, o mundo.

Mas está aí um sistema de um capital feito para questionar. Enquanto pais, mães e sociedade se anulam para produzir e consumir, crianças ficam à deriva. E o mercado foi esperto. Com pais e mães ausentes, as redes de proteção em janelas e sacadas passam a ser um bom negócio. O nicho cresce: tapa tomada, protetor de quina, trancas para portas e gavetas, protetor de fogão, babá eletrônica e companhia. É que crianças à deriva precisam mesmo de muita tecnologia: computadores e videogames para afastá-las dos perigos das ruas, celulares com GPS para a localização exata do rebento em caso de seqüestro.

Se o futebol quebrava vidraças em tempos idos, e era só confiscar a bola, hoje fica-se em casa. Resolvido o problema das vidraças, das janelas, das sacadas, das tomadas, das quinas das mesas, das portas, das gavetas, dos fogões, dos computadores, dos videogames, dos celulares, dos pais e das mães esquecidos dos filhos. De ensiná-los, de guiá-los, de educá-los física, moral e sociologicamente.

Mas até pra isso o capital deu conta: ligue pra Super Nanny, consuma Super Nanny. A parte boa é que no fundo do baú Mary Poppins da moçoila, os livros e a literatura infantil.
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Analisando o comentário da autora acerca das atitudes dos pais em relação aos filhos, nesta atualidade capitalista, qual você entende ser o ponto central do desencontro familiar: a sociedade capitalista em si ou uma desarmonia nas relações humanas?




Desenvolva seu argumento dando exemplos.


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22.10.08

O caso Eloá: honra e desonra na balança, de quem?

Feminicídio ao vivo: o que nos clama Eloá


por Maria Dolores de Brito Mota e Maria da Penha Maia Fernandes *



Adital - Tudo o que o Brasil acompanhou com pesar no drama de Eloá, em suas cem horas de suplício em cadeia nacional, não pode ser visto apenas como resultado de um ato desesperado de um rapaz desequilibrado por causa de uma intensa ou incontrolada paixão. É uma expressão perversa de um tipo de dominação masculina ainda fortemente cravada na cultura brasileira.


No Brasil, foram os movimentos feministas que iniciaram nos anos de 1970, as denúncias, mobilização e enfrentamento da violência de gênero contra as mulheres que se materializava nos crimes cometidos por homens contra suas parceiras amorosas. Naquele período ainda estava em vigor o instituto da defesa da honra, e desenvolveram-se ações de movimentos feministas e democráticos pela punição aos assassinos de mulheres.


A alegação da defesa da honra era então justificativa para muitos crimes contra mulheres, mas no contexto de reorganização social para a conquista da democracia no país e do surgimento de movimentos feministas, este tema vai emergir como questão pública, política, a ser enfrentada pela sociedade por ferir a cidadania e os direitos humanos das mulheres.


O assassinato de Ângela Diniz, em dezembro de 1976, por seu namorado Doca Street, foi o acontecimento desencadeador de uma reação generalizada contra a absolvição do criminoso em primeira instância, sob alegação de que o crime foi uma reação pela defesa "honra". Na verdade, as circunstâncias mostravam um crime bárbaro motivado pela determinação da vítima em acabar com o relacionamento amoroso, e a inconformidade do assassino com este fim. Essa decisão da justiça revoltou parcelas significativas da sociedade cuja pressão levou a um novo julgamento em 1979 que condenou o assassino. Outro crime emblemático foi o assassinato de Eliane de Grammont pelo seu ex-marido Lindomar Castilho em março de 1981. Crimes que motivaram a campanha "quem ama não mata".


Agora, após três décadas, o Brasil assistiu ao vivo, testemunhando, o assassinato de uma adolescente de 15 anos por um ex-namorado inconformado com o fim do relacionamento. Um relacionamento que ele mesmo tomou a iniciativa de acabar por ciúmes, e que Eloá não quis reatar. O assassino, durante 100 horas manteve Eloá e uma amiga em cárcere privado, bateu na vitima, acusou, expôs, coagiu e por fim martirizou o seu corpo com um tiro na virilha, local de representação da identidade sexual, e na cabeça, local de representação da identidade individual.


Um crime em que não apenas a vida de um corpo foi assassinada, mas o significado que carrega - o feminino. Um crime do patriarcado que se sustenta no controle do corpo, da vontade e da capacidade punitiva sobre as mulheres pelos homens. O feminicídio é um crime de ódio, realizado sempre com crueldade, como o "extremo de um continuum de terror anti-feminino", incluindo várias formas de violência como sofreu Eloá, xingamentos, desconfiança, acusações, agressões físicas, até alcançar o nível da morte pública.


O que o seu assassino quis mostrar a todas/os nós? Que como homem tinha o controle do corpo de Eloá e que como homem lhe era superior? Ao perceber Eloá como sujeito autônomo, sentiu-se traído, no que atribuía a ela como mulher (a submissão ao seu desejo), e no que atribuía a si como homem (o poder sobre ela - base de sua virilidade). Assim o feminicídio é um crime de poder, é um crime político. Juridicamente é um crime hediondo, triplamente qualificado: motivo fútil, sem condições de defesa da vítima, premeditado.


Se antes esses crimes aconteciam nas alcovas, nos silêncios das madrugadas, estão agora acontecendo em espaços públicos, shoppings, estabelecimentos comerciais, e agora na mídia. Para Laura Segato [1] é necessário retirar os crimes contra mulheres da classificação de homicídios, nomeando-os de feminicídio e demarcar frente aos meios de comunicação esse universo dos crimes do patriarcado. Esse é o caminho para os estudos e as ações de denúncia e de enfrentamento para as formas de violência de gênero contra as mulheres.


Muita coisa já se avançou no Brasil na direção da garantia dos direitos humanos das mulheres e da equidade de gênero, como a criação das Delegacias de Apoio às Mulheres - DEAMs, que hoje somam 339 no país, o surgimento de 71 casas abrigo, além de inúmeros núcleos e centros de apoio que prestam atendimento e orientação às mulheres vítimas, realizando trabalho de denúncia e conscientização social para o combate e prevenção dessa violência, além de um trabalho de apoio psicológico e resgate pessoal das vítimas. Também ocorreram mudanças no Código Penal como a retirada do termo "mulher honesta" e a adoção da pena de prisão para agressores de mulheres, em substituição às cestas básicas. A criação da Lei 11.340, a Lei Maria da Penha, para o enfrentamento da violência doméstica contra as mulheres.


Mas, ainda assim, as violências e o feminicídio continuam a acontecer. Vejamos o exemplo do Estado do Ceará: em 2007, 116 mulheres foram vítimas de assassinato no Ceará; em 2006, 135 casos foram registrados; em 2005, 118 mortes e em 2004, mais 105 casos [2]. As mulheres estão num caminho de construção de direitos e de autonomia, mas a instituição do patriarcado continua a persistir como forma de estruturação de sujeitos.


É preciso que toda a sociedade se mobilize para desmontar os valores e as práticas que sustentam essa dominação masculina, transformando mentalidades, desmontando as estruturas profundas que persistem no imaginário social apesar das mudanças que já praticamos na realidade cotidiana. O comandante da ação policial de resgate de Eloá declarou que não atirou no agressor por se tratar de "um jovem em crise amorosa", num reconhecimento ao seu sofrer. E o sofrer de Eloá? Por que não foi compreendida empaticamente a sua angústia e sua vontade (e direito) de ser livremente feliz?

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Notas:

[1] SEGATO, Rita Laura. Que és um feminicídio. Notas para um debate emergente. Serie Antropologia, N. 401. Brasília: UNB, 2006.
[2] Dados disponíveis em: http://www.patriciagalvao.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/noticias.shtml?x=1076


* Ma. Dolores: Socióloga, professora da Universidade Federal do Ceará / Maria da Penha: Inspiradora do nome da Lei Federal 11340/2006. Colaboradora de Honra da Coordenadoria de Políticas para Mulheres da Prefeitura de Mulheres
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Atividade:


Após leitura do texto faça uma coletânea de trechos publicados na imprensa que indiquem a "supremacia do homem sobre a mulher", ou em que a mulher seja subjulgada ainda que indiretamente seja pelo repórter, pela narrativa, por testemunhas etc.




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21.10.08

As faces do fato


“As disputas humanas, em geral, decorrem do fato de existirem, ao mesmo tempo, sábios e ignorantes, constituídos de maneira a verem apenas um lado dos fatos ou das idéias, cada um julgando ser a face que vê a única verdadeira, a única boa”.





(Balzac, na obra A Prima Bete, 1846)


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Sobre a afirmação de Balzac, acima, faça sua reflexão e comentário. Em seguida, recorte TRÊS exemplos de textos de revistas, jornais que ilustrem tal pensamento.
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15.10.08

Ensinar e aprender...



Demais não é o suficiente:
a arte do essencial
Por uma aprendizagem integral




Arte e texto

por Solange Pereira Pinto
Brasília, 30 de junho de 2008




A pós-modernidade é conhecida pelo consumo, pela superficialidade, pela rapidez, pelo “descartável”. É, sem dúvida, uma época marcada pelos excessos. Muitas plásticas, muita obesidade, muita informação, muito trabalho, muito estresse, muitos acessos... Mas como pode uma civilização, como a atual, marcada por tão elevadas quantidades carecer? Podemos indagar: como perceber que o “demais” nem sempre é o suficiente?

A humanidade ao longo de sua existência tem passado por auges e declínios dos povos, hoje chamados de nações, bem como tem se questionado sobre os motivos pelos quais ora se está em um patamar, ora em outro. Por outro lado, individualmente, interroga-se como encontrar respostas para os sofrimentos e as necessidades. As soluções, nem sempre fáceis de alcançar, em geral, reúnem alguns traços que podem ser comuns àqueles que se superaram, sejam como coletividade ou como cidadãos. Percebe-se que, nos vários tipos de conquistas que se deram, destacam-se: a inteligência, a consciência, o conhecimento e o esforço.

Perscruta-se que foi necessário ao homem libertar sua inteligência, esforçar-se e buscar o conhecimento para que pudesse ascender graus evolutivos. O pensamento, a ética, a moral, os valores, os princípios, a cultura, o desenvolvimento humano são frutos de seres que se esmeraram, e se esmeram, em manter livre o uso da razão e da consciência para darem a si e aos semelhantes condições dignas para traçar um destino nobre, espiritualmente elevado, favorável ao crescimento e à aprendizagem consciente.

No entanto, ao se ler os jornais e as revistas, ao se ouvir os noticiários da TV e do rádio, as pessoas se deparam com números e atrás deles cegamente correm; sejam eles os números da balança a indicar uns quilos a mais, sejam os números da conta bancária a refletir um gasto extra, sejam os números da última estatística educacional a mostrar a quantidade de escolas com notas superiores ou inferiores ao que se deve ser, ou outra quantidade qualquer. Vão dessa forma se tornando pesos mortos, massas de manobras, com pouca, ou quase nenhuma, atuação sociopolítica.

Envoltas em números, muitas almas são sufocadas e se sentem perdidas nesse mar informacional, que deveria mais servir ao despertar e menos ao aprisionamento dos indivíduos no calabouço da ignorância.

Todavia, há solução e se faz premente apresentá-la. Seria tal como apontar saída de emergência em um cinema lotado em caso de incêndio. Lá estão as pessoas vidradas em mais uma cena de aventura e a fumaça lhes corre pelo nariz, e, ainda assim, não a percebem. A porta que se abre não apenas as livra do sufoco; ela as liberta para o ar puro. É necessário que se encontre um rumo, além de que se adentre a sabedoria. Mas como fazê-los?

Transcendendo!

O conhecimento que adquirimos no mundo deve servir para alcançar a sabedoria e promover transformação. É pelo internalizado “saber” que o homem aperfeiçoar-se-á atuando com percepção moral e juízo elevado de valor. E, ao se desenvolver, com senso crítico, será exemplo inspirador de outros que assim busquem com vontade sobreviver às penúrias que devem suportar na vida.

Pelo estudo, pela leitura, pela palavra, pela escrita, pela educação dirigida que os seres humanos devem se orientar – não somente para aprender a satisfazer às necessidades da vida, mas, também, para resolver o que a vida lhes apresentar – visando atingir uma meta que lhes conduza ao caminho dessa tal Sabedoria .

Essa virtude tão requisitada e enigmática é deveras uma arte. Bem assim o são os atos de ensinar e aprender. Só se pode ensinar o que se sabe, não é óbvio? Ocorre que, ensinar, no sentido daquilo que transcende e modifica em prol da sabedoria, envolve meandros poucos discutidos pelo senso comum. Ensinar enseja observação, assimilação verdadeira, exemplo, escuta, consciência, humildade, generosidade. É um ato de iluminação real, ilustração.

A arte de aprender está do mesmo lado da moeda, ainda que aparentemente oposto, expressando as capacidades de bondade, elevação, caráter e vocação, dentre outras características, as quais somos capazes de estabelecer num plano que a natureza prima pelo aperfeiçoamento e evolução espiritual.

Essas inquietudes e necessidades do que se chama “espiritual” se manifestam. Os livros vêm e vão na tentativa de encontrar as chaves libertadoras das saídas. Em consonância, ensinar exige sabedoria, paciência, abnegação, novamente vocação...

Destarte, é pelo autoconhecimento, é pelo adentrar em umbrais da vida e das próprias sombras, é pelo movimento de auto-superação, é pelo descobrimento consciente dos agentes causais, é pelo entendimento das nuanças da alma, é pela transcendência da esfera comum, é pela consciência de si e do outro, é pelo conhecimento da mecânica do pensamento, é pela evolução consciente, é pelo discernimento, enfim é pela arte de aprender e pela arte de ensinar por “todo” que o nosso espírito se tempera e segue um novo e elevado destino.

Assim, é pelo essencial que o homem deve se guiar, pois muitas vezes há demais e não é suficiente. É preciso propagar a vontade de aprender. Ou, de outra maneira, haverá muita gente sufocada de “informações”, entretanto carente de conhecimento, porque é por meio da capacidade de estudo estimulado e consciente que se engrandecem os seres e se transformam as civilizações. É mediante a superação intrínseca que nos tornamos mais aptos a chegar ao pensamento supremo que encarna a vida universal.

Finalmente, vale ressaltar que “a arte de ensinar encontra sua máxima expressão na alma daqueles cuja vontade de aprender se faz possível. Assim como o bem que recebem e os saberes com os quais se instruem se completam e efetivam a realidade para o seu aperfeiçoamento integral”. É na busca incessante do essencial que se desperta para a consciência, e estando sempre alerta que: demais nem sempre é suficiente.
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Faça uma síntese de um parágrafo (máximo seis linhas) que retrate a idéia principal deste texto.
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8.10.08

Alfabetização e letramento


"Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem."
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Atividade:
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A partir desta afirmação e analisando a tirinha ao lado, pesquise os conceitos de alfabetização e letramento, em seguida reflita sobre os textos e elabore uma dissertação (30 a 40 linhas) desenvolvendo suas relfexões e idéias.

22.9.08

Deu na Veja, só falta dar no ensino...




Por Solange Pereira Pinto



Para grande parte da população urbana, domingo é dia de igreja, Veja, TV e futebol, não necessariamente nesta ordem. Ontem (21/09/2008), junto às notícias da crise americana, veio na revista uma matéria especial sobre o instigante escritor Machado de Assis que não freqüentou universidade, mas é ícone da nossa literatura.

Sabemos que a Veja é a revista semanal mais lida no Brasil. É falada e comentada, quase como centro do universo, nas escolas do país, principalmente faculdades. É tida como um meio de comunicação para se ler antes de fazer provas de concurso na área de conhecimentos gerais (!?). Ou seja, a Veja é para a maioria dos brasileiros “letrados” a maior fonte de informações.

Então, quando eu li na Veja o texto “Quem entendeu a nova avaliação do ensino?”, pensei: finalmente alguém para falar diretamente dos insumos e outras quantidades absurdas que têm virado moda por aqui. Cláudio Moura e Castro foi no x (certo da questão) e apropriadamente mostrou como índices podem não fazer qualquer sentido, principalmente quando se fala em educação.

Em certa altura ele disse: “finalmente, há o terceiro elemento, o Índice de Insumos. Trata-se de uma lista de descrições do processo de ensino, incluindo o número de doutores, docentes em tempo integral e outros. Pensemos no famoso Guia Michelin, que dá estrelas aos restaurantes franceses. O visitador vai anônimo ao restaurante e atribui estrelas se a comida e o ambiente forem muito bons. Jamais ocorreria pôr ou tirar estrelas por conta da marca do fogão, dos horários dos cozinheiros ou do número de livros de culinária disponíveis. Depois que a comida foi provada, nada disso interessa - exceto para algum consultor da área. Para escolher um restaurante, só interessam as estrelas, refletindo a qualidade da sua mesa. A avaliação da excelência de um curso é como as estrelas do Michelin. Para o público, conhecidos os resultados, os meios ou processos se tornam irrelevantes. Se o aluno aprendeu, não interessa como nem com quem - a não ser aos especialistas”.

Não preciso dizer mais nada... Agora me resta a esperança... Se deu na Veja, ainda que em apenas um artigo (muito bom por sinal), que dê agora também na cabeça dos brasileiros a reflexão: nem todo número informa, esclarece ou representa de fato a realidade. Qualidade não é quantidade. Veja abaixo o artigo comentado.










Quem entendeu a nova avaliação do ensino?





"Louvemos a coragem do MEC de gerar e divulgar avaliações. Mas parece inapropriado entregar ao público uma medida tão confusa"

Um médico que ficasse sabendo que seu paciente tem 88 batidas cardíacas por minuto, 39 graus de febre e um índice de 380 de colesterol teria os elementos iniciais para fazer um diagnóstico. Imaginemos agora que somássemos esses três índices e mostrássemos apenas o total. Seria um número sem sentido.


É tal espécie de soma que o MEC acaba de fazer, com o seu novo indicador de qualidade dos cursos superiores, o Conceito Preliminar de Avaliação. Ao somar três indicadores, deixa o público igualzinho ao médico do parágrafo acima. Pior, junta conceitos individualmente pouco conhecidos. Como o professor Simon Schwartzman havia partido antes na empreitada de entender essa química, juntei-me a ele na preparação do presente ensaio.


O primeiro número levantado pelo MEC é baseado em prova aplicada a uma amostra de alunos de cada curso. É o Enade (a nova versão do Provão), que mede quanto os alunos sabem ao se formar. É um conceito tão simples e poderoso quanto o resultado de um jogo de futebol. Só que não podemos comparar profissões, como faz o MEC, pois a dificuldade das provas não é a mesma. Se o Grêmio ganhou do Cruzeiro, isso não significa que é melhor do que o Real Madrid que perdeu do Chelsea.


Ademais, o MEC introduziu um complicador. Soma aos resultados da prova aplicada aos formandos a nota dos calouros na mesma prova. Ou seja, premia o curso superior que atrai os melhores alunos (a maioria deles oriunda de escolas médias privadas). Portanto, soma a contribuição do curso superior à do médio. Em uma pesquisa de que participei, 80% do resultado do Provão se devia à qualidade dos alunos aprovados no vestibular. Assim sendo, ele favorece as universidades públicas, pois sendo gratuitas atraem os melhores candidatos.



O segundo ingrediente do teste é o Índice de Diferença de Desempenho (IDD). O Enade mostra quais cursos produzem os melhores alunos. Contudo, um desempenho excelente pode resultar apenas de haver recebido alunos mais bem preparados. Em contraste, o IDD mede a contribuição líquida do curso superior. A idéia é boa. Em termos simplificados, calouros e formandos fazem a mesma prova. Subtraindo das notas dos formandos a nota dos calouros, captura-se o conhecimento que o curso "adicionou" aos alunos. Portanto, mede a capacidade do curso para puxar os alunos para cima, ainda que não consigam atingir níveis altos. É o que faltava na avaliação. Exemplo: na Farmácia temos uma escola com 5 no Enade e 2 no IDD. Temos outra com 2 no Enade e 5 no IDD. Embora a média seja a mesma, esconde mundos diferentes. A primeira forma os melhores profissionais, porque recruta bem, mas ensina pouco. A segunda produz alunos medíocres, mas oferece muito a eles. Cada indicador tem seu uso.


Finalmente, há o terceiro elemento, o Índice de Insumos. Trata-se de uma lista de descrições do processo de ensino, incluindo o número de doutores, docentes em tempo integral e outros. Pensemos no famoso Guia Michelin, que dá estrelas aos restaurantes franceses. O visitador vai anônimo ao restaurante e atribui estrelas se a comida e o ambiente forem muito bons. Jamais ocorreria pôr ou tirar estrelas por conta da marca do fogão, dos horários dos cozinheiros ou do número de livros de culinária disponíveis. Depois que a comida foi provada, nada disso interessa - exceto para algum consultor da área. Para escolher um restaurante, só interessam as estrelas, refletindo a qualidade da sua mesa. A avaliação da excelência de um curso é como as estrelas do Michelin. Para o público, conhecidos os resultados, os meios ou processos se tornam irrelevantes. Se o aluno aprendeu, não interessa como nem com quem - a não ser aos especialistas.


Mas há outras tolices. Um curso de filosofia em que todos os professores são doutores em tempo integral pode ser ótimo. Mas seria medíocre um curso de engenharia, arquitetura ou direito em que isso acontecesse, pois as profissões estariam sendo ensinadas por quem não as pratica. Esse curso ganha pontos pelo perfil dos docentes, justamente quando deveria perdê-los. Há outros desacertos técnicos que não cabe aqui comentar. Mas, como dito, a falha mais lastimável é a decisão de somar três indicadores que mal sabemos como interpretar individualmente. Louvemos a coragem do MEC de gerar e divulgar avaliações. Mas nos parece inapropriado entregar ao público uma medida tão confusa.


Claudio de Moura Castro é economista (claudio&moura&castro@cmcastro.com.br)

Data: 21/09/2008
Veículo: VEJA
Editoria: SEÇÕES
Assunto principal: ENSINO SUPERIOR MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

17.9.08

A história das coisas



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Assista ao vídeo e faça uma resenha crítica, apontando soluções que VOCÊ poderia tomar a curto, médio e longo prazo.

Cite ainda algumas políticas governamentais que você julga importantes, a partir do conteúdo explanado sobre "A hitória das coisas".

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Veja aqui o site sobre o documentário

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13.9.08

Abaixo o hábito de ler

Por Solange Pereira Pinto (escritora, professora e arte-educadora)


A escola da minha filha tem um programa de leitura chamado ciranda do livro. O objetivo é que cada criança pegue uma obra para ler no fim de semana e faça, na apostila encadernada em espiral, uma atividade pré-determinada (desenhar uma passagem, escolher um personagem favorito, ilustrar a idéia principal, fazer um breve resumo etc.).

Imagino que nem todos os alunos façam a tarefa de bom grado. No início a escola tentou uma competição: a criança que pegasse mais livros na biblioteca ganharia um prêmio ao término do período X. Minha filha logo chiou: “mamãe, assim não vale. Tá muito chata essa história de quem lê mais. Tem gente que só pega livrinho fininho e com muita figura pra ler rápido e pegar outro. Eu que escolhi pelo título, por que achei interessante a história, vou perder. O meu livro é muito mais grosso que os outros!”, choramingou.

Tinha ela razão. Vencer a competição era o objetivo das crianças sob o pretexto da escola de formar o hábito da leitura e quiçá cidadãos do futuro. Nesse meio tempo, crítica daqui, chororô acolá, ficou difícil para a professora lidar com a manobra “pedagógica”, deslindada pela pequena estudante.


O projeto competitivo saiu de cena e a apostila em espiral continuou seu trajeto, às sextas-feiras, mochila adentro; só que agora sem a pressão de se ser o primeiro lugar no ranking de “leituras lidas”. Algumas crianças ficaram aliviadas. Alguns pais também. Ufa!

Chegado o dia de mais uma escolha, minha menina, que se chama Ana (Luísa) optou por pegar um livro chamado Ana e Ana, segundo as palavras dela “achei pela capa que podia ser interessante”. E era. Aliás, é!

O livro de Célia Godoy, ilustrado divinamente por Fé, narra a história das gêmeas Ana Carolina e Ana Beatriz, que idênticas na aparência tentavam se distinguir por cores, roupas, adereços, ainda que “por dentro” fossem bem diferentes nos gostos e afinidades com o mundo. Cresceram e cada uma tomou um rumo, até que...

Até que eu parei para pensar se a leitura é um “hábito-ato” possível de se formar em alguém. Sendo professora há algum tempo e exatamente na área de produção de textos, leitura e interpretação, recordei das principais dificuldades e justificativas dos meus alunos quando perguntados sobre o tal, difundido, alardeado: hábito de ler!

Em geral, se apontam desconcentração, sono, preguiça, falta de exemplos familiares, ausência de livros em casa, dificuldade de entendimento, cansaço, visão embaralhada, e, principalmente, falta de tempo! Questionados sobre este último item, respondem: “ah, professora tem muita coisa melhor a fazer do que ler, como ver TV, praticar esportes, sexo, passear, navegar pela internet...”.

“– Mas céus! Vocês não gostam de ler nada?”, re-interrogo.
“– Também não é assim. A gente lê sobre o que gosta ou sobre o que precisa”.

Se tempo é uma questão de prioridade, e nele a gente ocupa primeiro o que dá prazer ou necessita, aonde entra o esforço pedagógico de formar o hábito de ler? Creio que na vala comum.

Diz o companheiro Houaiss que hábito é “maneira usual de ser, fazer, sentir, individual ou coletivamente; costume, regra, modo, maneira permanente ou freqüente, regular ou esperada de agir, sentir, comportar-se; mania”.

Ora, formar o hábito de ler para quê?

Em certa medida, quem tem uma formação escolar considerada razoável (sei lá o que isso significa) lê o que lhe atrai. Jornais, almanaques, cadernos de esporte, revistas semanais, publicações de fofocas etc, estão pelas esquinas e bem amassadas, indicando que mãos e olhos passaram por ali.

E daí?

Nada!

O hábito de ler, melhor formulando, a prática de ler não significa em essência nada. O costume de ler pode ser um desábito de adquirir conhecimento. Entrar no piloto automático da leitura não traz por si só transformação.

Se ler é um dos caminhos para se chegar ao conhecimento de determinado fenômeno, idéia, verdade, ler por ler é no máximo chegar à aquisição de dados brutos e informações superficiais, massificadas, deglutidas por seus autores para todos.

Hoje deveríamos por em pauta, conclamar, não o desgastado hábito de ler, mas sim o hábito de pensar, o hábito de querer saber, o hábito de ser curioso. Se os próprios considerados – pelos professores – não-leitores admitem ler o que lhes interessa, óbvio seria despertar antes a vontade de conhecer. Ler, por hábito, deveria deixar de ser regra de conduta apregoada pelas escolas. Transformar o pensamento e ampliá-lo por desejo, deveria ser a etiqueta.

Ler é mera conseqüência. A causa é querer sair do lugar-comum, voar sem tirar o pé do chão, pensar para existir... Meu hábito maior é “Ser” e por isso eu leio muito. Dessa forma, vou me desabituando de mim para me habituar às minhas releituras...





(Tirinha criada especialmente para este texto por minha amiga Creisi - veja outras tirinhas aqui)
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Elabore exemplos de como atividades educativas podem surtir efeitos contrários ao desejado.
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12.4.08

Pense nisso...

carros volta mundo





"A filosofia em um século é o senso comum do próximo"





(frase de biscoito chinês)

23.3.08

O fim da televisão

Após ler, atenta e criticamente, o texto abaixo (retirado do blog "O fim da Várzea - blogs, internet, opinião e mau humor") faça sua análise a respeito do parágrafo abaixo negritado.



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O fim da televisão

Assisto muito pouco à televisão, e geralmente apenas o trash. Cancelei a TV por assinatura, depois de anos assistindo a infinitas reprises (desconfio que eles mantêm um convênio com as locadoras de DVD, recebendo um por fora para exibir apenas lixo nos finais-de-semana).

Ontem à noite, em mais uma insônia típica de domingo, estava zapeando pela TV aberta e, entre sessões de exorcismo e comerciais de 30 minutos sobre aparelhos de ginástica que até trocar pneu trocam, acabei acompanhando uma parte do Big Brother, que me fez questionar até que ponto pode descer a falta de qualidade da programação.

Os "confinados" haviam ganhado um almoço patrocinado por uma marca de suco obscura e deliciavam-se com uma refeição digna de loja de conveniência, daquelas que você aquece por 1 minuto e sofre de indigestão por uma semana.

Gyselle, a moça que "deu certo" na França e no Brasil, não sabe nem segurar os talheres, o tal Marcão segura-os como se fossem ferramentas e mastiga como se tivesse passado a vida na selva.

Isso parece fútil, mas os modos à mesa dizem muito de uma pessoa. No caso em questão, só confirma o que já havia sido mostrado em outro dia, quando Pedro Bial pergunta se eles conheciam a resposta do enigma da Esfinge e todos demonstram total ignorância, tanto da resposta quanto da origem da pergunta.

Reality shows são sobre pessoas comuns, eu sei disso. Mas parece que não basta mais ser comum, tem que ser superficial e ignorante.

Segundo li em algum lugar, a Globo já pensa em mudar a fórmula, visivelmente esgotada, na próxima edição. Pensam em mesclar pessoas de diferentes faixas etárias, fugindo do formato loira(o) burra(o).

Mas fugirão do nivelamento cultural rasteiro?

É fácil dizer que o povo desse País é inculto e incapaz de apreciar algo mais sofisticado. Eu mesmo acredito nisso. Mas não seria hora de fazer algo para mudar esse cenário?


Alguém que só come miojo é incapaz de apreciar algo mais sofisticado? Talvez sim, mas é preciso oferecer opções variadas, ao longo do tempo, o gosto melhora.

Quem acompanhou o Jô Soares no início de seu talk show no SBT lembra que era um programa memorável. Pessoas com conteúdo passavam por lá e o humor era genuíno. Quando a platéia fazia "ahhhh" no final de uma entrevista, era merecido, e digno de nota.


A pasteurização da programação está se revelando um tiro no pé por parte das emissoras. Incentivar a favelização da audiência não me parece um negócio lucrativo. Você gostaria de anunciar seu produto para quem não pode comprá-lo?


A TV pode ser útil na "educação" de um povo. Instigar novas idéias pode gerar frutos, inclusive a curto prazo.

Ou, muito em breve, veremos pessoas comendo com as mãos e comunicando-se por mímica. Quem viver verá.

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Fonte: http://www.ofimdavarzea.com/o-fim-da-televisao/

23.2.08

UMA MENSAGEM A GARCIA





por Elbert Hubbard

Esta insignificância literária, UMA MENSAGEM A GARCIA, escrevi-a uma noite, depois do jantar, em uma hora. Foi a 22 de fevereiro de 1899, aniversário natalício de Washington, e o número de março da nossa revista "Philistine" estava prestes a entrar no prelo. Encontrava-me com disposição de escrever, e o artigo brotou espontâneo do meu coração, redigido, como foi, depois de um dia afanoso, durante o qual tinha procurado convencer alguns moradores um tanto renitentes do lugar, que deviam sair do estado comatoso em que se compraziam, esforçando-se por incutir-lhes radioatividade.

A idéia original, entretanto, veio-me de um pequeno argumento ventilado pelo meu filho Bert, ao tomarmos café, quando ele procurou sustentar ter sido Rowan o verdadeiro herói da Guerra de Cuba. Rowan pôs-se a caminho só e deu conta do recado - levou a mensagem a Garcia. Qual centelha luminosa, a idéia assenhoreou-se de minha mente. É verdade, disse comigo mesmo, o rapaz tem toda a razão, o herói é aquele que dá conta do recado que leva a mensagem a Garcia.

Levantei-me da mesa e escrevi "Uma mensagem a Garcia" de uma assentada. Entretanto liguei tão pouca importância a este artigo, que até foi publicado na Revista sem qualquer título. Pouco depois da edição ter saído do prelo, começaram a afluir pedidos para exemplares adicionais do número de Março do "Philistine": uma dúzia, cinquenta, cem, e quando a American News Company encomendou mais mil exemplares, perguntei a um dos meus empregados qual o artigo que havia levantado o pó cósmico.

- "Esse de Garcia" - retrucou-me ele.

No dia seguinte chegou um telegrama de George H. Daniels, da Estrada de Ferro Central de Nova York, dizendo: "Indique preço para cem mil exemplares artigo Rowan, sob forma folheto, com anúncios estrada de ferro no verso. Diga também até quando pode fazer entrega ".

Respondi indicando o preço, e acrescentando que podia entregar os folhetos dali a dois anos. Dispúnhamos de facilidades restritas e cem mil folhetos afiguravam-se-nos um empreendimento de monta.

O resultado foi que autorizei o Sr. Daniels a reproduzir o artigo conforme lhe aprouvesse. Fê-lo então em forma de folhetos, e distribuiu-os em tal profusão que, duas ou três edições de meio milhão se esgotaram rapidamente. Além disso, foi o artigo reproduzido em mais de duzentas revistas e jornais. Tem sido traduzido, por assim dizer, em todas as línguas faladas.

Aconteceu que, justamente quando o Sr. Daniels estava fazendo a distribuição da Mensagem a Garcia, o Príncipe Hilakoff, Diretor das Estradas de Ferro Russas, se encontrava neste país. Era hóspede da Estrada de Ferro Central de Nova York, percorrendo todo o país acompanhando o Sr. Daniels. O príncipe viu o folheto, que o interessou, mais pelo fato de ser o próprio Sr. Daniels quem o estava distribuindo em tão grande quantidade, que propriamente por qualquer outro motivo.

Como quer que seja, quando o príncipe regressou à sua Pátria mandou traduzir o folheto para o russo e entregar um exemplar a cada empregado de estrada de ferro na Rússia. O breve trecho foi imitado por outros países; da Rússia o artigo passou para a Alemanha, França, Turquia, Hindustão e China. Durante a guerra entre Rússia e o Japão, foi entregue um exemplar da "Mensagem a Garcia" a cada soldado russo que se destinava ao front.

Os japoneses, ao encontrar os livrinhos em poder dos prisioneiros russos, chegaram à conclusão que havia de ser cousa boa, e não tardaram em vertê-lo para o japonês. Por ordem do Mikado foi distribuído um exemplar a cada empregado, civil ou militar do Governo Japonês.

Para cima de quarenta milhões de exemplares de "Uma Mensagem a Garcia" têm sido impressos, o que é sem dúvida a maior circulação jamais atingida por qualquer trabalho literário durante a vida do autor, graças a uma série de circunstâncias felizes. - E. H.




East Aurora, dezembro 1, 1913


Uma mensagem a Garcia

Em todo este caso cubano, um homem se destaca no horizonte de minha memória como o planeta Marte no seu periélio. Quando irrompeu a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos, o que importava a estes era comunicar-se rapidamente com o chefe dos insurretos. Garcia, que se sabia encontrar-se em alguma fortaleza no interior do sertão cubano, mas sem que se pudesse precisar exatamente onde. Era impossível se comunicar com ele pelo correio ou pelo telégrafo. No entanto, o Presidente tinha que tratar de se assegurar da sua colaboração, e isto o quanto antes. Que fazer?
Alguém lembrou ao Presidente: “Há um homem chamado Rowan; e se alguma pessoa é capaz de encontrar Garcia, há de ser Rowan”.

Rowan foi trazido à presença do Presidente, que lhe confiou uma carta com a incumbência de entregá-la a Garcia. De como este homem, Rowan, tomou a carta, meteu-a num invólucro impermeável, amarrou-a sobre o peito, e após quatro dias, saltou, de um barco sem coberta, alta noite, nas costas de Cuba; de como se embrenhou no sertão, para, depois de três semanas, surgir do outro lado da ilha, tendo atravessado a pé um país hostil e entregando a carta a Garcia - são coisas que não vêm ao caso narrar aqui pormenorizadamente. O ponto que desejo frisar é este: O presidente Mac Kinley deu a Rowan uma carta para ser entregue a Garcia; Rowan pegou da carta e nem sequer perguntou: Onde é que ele está?

Hosannah! Eis aí um homem cujo busto merecia ser fundido em bronze imarcescível e sua estátua colocada em cada escola do país. Não é de sabedoria livresca que a juventude precisa, nem de instrução sobre isto ou aquilo. Precisa, sim, de um endurecimento das vértebras, para poder se mostrar altivo no exercício de um cargo; para atuar com diligência, para dar conta de recado; para, em suma, levar uma mensagem a Garcia.

O General Garcia já não é deste mundo, mas há outros Garcias. A nenhum homem que se tenha empenhado em levar avante uma empresa, em que a ajuda de muitos se torne precisa, têm sido poupados momentos de verdadeiros desespero ante a imbecilidade de grande número de homens, ante a inabilidade ou falta de disposição de concentrar a mente numa determinada coisa e fazê-la.

Assistência irregular, desatenção tola, indiferença irritante e trabalho malfeito parecem ser a regra geral. Nenhum homem pode ser verdadeiramente bem-sucedido, salvo se lançar mão de todos os meios ao seu alcance, quer da força, quer do suborno, para obrigar outros homens a ajudá-lo, a não ser que Deus Onipotente, na sua grande misericórdia, faça um milagre, enviando-lhe como auxiliar um anjo de luz.

Meu amigo, tu mesmo podes tirar a prova. Estás sentado no teu escritório, rodeado de meia dúzia de empregados. Pois bem, chama um deles e pede-lhe: “Queira ter a bondade de consultar a enciclopédia e de me fazer uma descrição sucinta da vida de Corregio”.

Dar-se-á o caso do empregado dizer calmamente: “Sim, Senhor”, e executar o que se lhe pediu?

Nada disso! Olhar-te-á perplexo e de soslaio para fazer uma mais das seguintes perguntas:
Quem é ele?
Que enciclopédia?
Onde é que está a enciclopédia?
Fui eu acaso contratado para fazer isso?
Não quer dizer Bismark?
E se Carlos o fizesse?
Já morreu?
Precisa disso com urgência?
Não será melhor que eu traga o livro para que o senhor mesmo procure o que quer?
Para que quer saber isso?

E aposto dez contra um que, depois de haveres respondido a tais perguntas, e explicado a maneira de procurar os dados pedidos e a razão por que deles precisas, teu empregado irá pedir a um companheiro que o ajude a encontrar Garcia e depois voltará para te dizer que tal homem não existe. Evidentemente, pode ser que eu perca a aposta; mas, segundo a lei das médias, jogo na certa. Ora, se fores prudente, Não te darás ao trabalho de explicar ao teu “ajudante” que Corregio se escreve com “C” e não com “K”, mas limitar-te-ás a dizer meigamente, esboçando o melhor sorriso: “Não faz mal; não se incomode”, e, dito isto. levantar-te-ás e procurarás tu mesmo.


E esta incapacidade de atuar independentemente, esta inépcia moral, esta invalidez da vontade, esta atrofia de disposição de solicitamente se pôr em campo a agir - são as coisas que recuam para um futuro tão remoto o advento do socialismo puro. Se os homens não tomem a iniciativa de agir em seu próprio proveito, que farão quando o resultado de seu esforço redundar em benefício de todos? Por enquanto parece que os homens ainda precisam de ser feitorados. O que mantém muito empregado no seu posto e o faz trabalhar é o medo de, se não o fizer, ser despedido no fim do mês. Anuncia precisar de um taquígrafo, e nove entre dez candidatos à vaga não saberão ortografar nem pontuar - e, o que é mais, pensam que não é necessário sabê-lo.


Poderá uma pessoa destas escrever uma carta a Garcia?
“Vê aquele guarda-livros”, dizia-me o chefe de uma grande fábrica.
“Sim, que tem?”
“É um excelente guarda-livros. Contudo, se eu o mandasse fazer um recado, talvez desobrigasse da incumbência a contendo, mas também podia muito bem ser que o caminho entrasse em duas ou três casa de bebidas, e, que, quando chegasse ao seu destino, já não se recordasse da incumbência que lhe fora dada”.

Será possível confiar-se a um tal homem uma carta para entregá-la a Garcia?


Ultimamente temos ouvido muitas expressões sentimentais, externando simpatia para com os pobres entes que mourejam de sol a sol, para com os infelizes desempregados à cata do trabalho honesto, e tudo isto, quase sempre, entremeado de muita palavra dura para com os homens que estão no poder.


Nada se diz do patrão que envelhece antes do tempo, num baldado esforço para induzir eternos desgostosos e descontentes a trabalhar concienciosamente; nada se diz de sua longa procura de pessoal, que, no entanto, muitas vezes nada mais faz do que “matar o tempo”, logo que ele volta as costas. Não há empresa que não esteja despedindo pessoal que se mostra incapaz de zelar pelos seus interesses, a fim de substituí-lo por outro mais apto. Este processo de seleção por eliminação está se operando incessantemente, em termos adversos, com a única diferença que, quando os tempos são maus e o trabalho escasseia, a seleção se faz mais escrupulosamente, pondo-se fora, para sempre, os incompetentes e os inaproveitáveis. É a lei de guardar os melhores - aqueles que podem levar uma mensagem a Garcia.


Conheço um homem de aptidões realmente brilhantes, mas sem a fibra precisa para gerir um negócio próprio e que ademais se torna completamente inútil para qualquer outra pessoa devido à suspeita insana que constantemente abriga de que seu patrão o esteja oprimindo ou tencione oprimi-lo. Sem poder mandar, não tolera que alguém o mande. Se lhe fosse confiada uma mensagem a Garcia, retrucaria provavelmente: “Leve-a você mesmo”.


Hoje este homem perambula errante pelas ruas em busca de trabalho, em quase petição de miséria. No entanto, ninguém que o conheça se aventura a lhe dar trabalho porque é a personificação do descontentamento e do espírito de réplica. Refratário a qualquer conselho ou admoestação, a única coisa capaz de nele produzir algum afeito seria um bom pontapé dado com a ponta de uma bota número 42, sola grossa e bico largo.


Sei, não resta dúvida, que um indivíduo moralmente aleijado como este não é menos digno de compaixão que um fisicamente aleijado. Entretanto, nesta demonstração de compaixão, vertamos também uma lágrima pelos homens que se esforçam por levar avante uma grande empresa, cujas horas de trabalho não estão limitadas pelo som do apito e cujos cabelos ficam prematuramente encanecidos na incessante luta em que estão empenhados contra a indiferença desdenhosa, contra a imbecilidade crassa e a ingratidão atroz, justamente daqueles que, sem o seu espírito empreendedor, andariam famintos e sem lar.


Dar-se-á o caso de eu ter pintado a situação em cores demasiado carregadas? Pode ser que sim; mas, quando todo o mundo se apraz em divagações, quero lançar uma palavra de simpatia ao homem que imprime êxito a um empreendimento, ao homem que, a despeito de uma porção de empecilhos, sabe dirigir e coordenar os esforços de outros, e que, após o triunfo, talvez verifique que nada ganhou; nada, salvo a sua mera subsistência.


Também eu carreguei marmitas e trabalhei como jornaleiro, como, também, tenho sido patrão. Sei, portanto, que alguma coisa se pode ambos os lados.
Não há excelência na pobreza de per se; farrapos não servem de recomendação. Nem todos os patrões são gananciosos e tiranos, da mesma forma que nem todos os pobres são virtuosos.


Todas as minhas simpatias pertencem ao homem que trabalha concienciosamente, quer o patrão esteja, quer não. E o homem que, ao lhe ser confiado uma carta para Garcia, tranqüilamente toma a missiva, sem fazer perguntas idiotas e sem a intenção oculta de jogá-la na primeira sarjeta que encontrar, ou praticar qualquer outro feito que não seja entregá-la ao destinatário; este homem nunca fica “encostado” nem tem que se declarar em greve para forçar um aumento de ordenado.


A civilização busca ansiosa, insistentemente, homens nestas condições. Tudo que um tal homem pedir, se lhe há de acontecer. Precisa-se dele em cada cidade, em cada vila, em cada lugarejo, em cada escritório, em cada oficina, em cada loja, fábrica ou venda. O grito do mundo inteiro praticamente se resume nisso: Precisa-se, e precisa-se com urgência, de um homem capaz de levar uma mensagem a Garcia.

19.2.08

Conteúdo do SBT


Entrevista exibida ao vivo no dia 17 de agosto de 2007 pela TV Plan, afiliada da TVE Brasil em Poços de Caldas, MG.
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Assista ao vídeo com a entrevista do ex-diretor de Jornalismo do SBT, Luiz Gonzaga Mineiro, falando sobre a postura de Sílvio Santos, e, em seguida, faça um breve comentário escrito com sua análise crítica (argumentada).

8.2.08

Notícias do carnaval








NOTÍCIA A: São Clemente é punida por desfilar com mulher nua


Da Redação

A escola de samba São Clemente recebeu punição de meio ponto na avaliação de seu desfile pela Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) por desfilar com uma mulher nua dentre os seus integrantes. Com 387,5 pontos, a São Clemente foi a 12ª colocada no Carnaval carioca, e foi rebaixada para a divisão de acesso em 2009. A modelo Viviane Castro (foto), 25, foi à avenida usando um tapa-sexo de 4 cm, e precisou colar novamente o adereço durante o desfile. A comissão julgadora da Liesa comunicou a punição no início da apuração dos quesitos na tarde desta quarta-feira, 6, no Rio de Janeiro. A modelo foi um dos destaques de chão da escola que desfilou o enredo "O Clemente João 6º no Rio: A Redescoberta do Brasil...". Além do pequeno tapa-sexo, ela usava apenas adereços nas costas e na cabeça, e maquiagem por todo o corpo.
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30/01/2008 - 23h01
NOTÍCIA B : Justiça mantém distribuição da pílula do dia seguinte em PE
por FÁBIO GUIBU
da Agência Folha

O juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública de Recife, José Viana Ulisses Filho, negou nesta quarta-feira o pedido de liminar contra a distribuição da pílula do dia seguinte durante o Carnaval feito pela Aduseps (Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde), com o apoio da Arquidiocese de Olinda e Recife.


Na sua decisão, Ulisses Filho afirmou que "em nenhum momento" a associação comprovou que o medicamento é abortivo --um dos fundamentos para o pedido de liminar. Ao contrário, disse o juiz, a documentação apresentada "assevera que a droga a ser utilizada é cientificamente considerada contraceptiva, e não abortiva".

Ulisses Filho lembrou também que a pílula não será distribuída aleatoriamente no Carnaval, mas apenas para "mulheres vítimas de abusos sexuais ou de acidentes verificados no uso das camisinhas".

Na sentença, válida apenas para Recife, o juiz afirmou que as opiniões religiosas condenando os métodos anticoncepcionais sem respaldo científico são "irrelevantes". "A República Federativa do Brasil é um estado laico e não uma teocracia."

A pressão da Igreja, entretanto, continua. Hoje, em nota assinada pelo bispo auxiliar do Rio de Janeiro, dom Antônio Augusto Dias Duarte, a Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) afirmou que "o uso da pílula do dia seguinte é moralmente inaceitável".

Segundo a nota, a ingestão do medicamento "nas primeiras 72 horas após a concepção provoca, na verdade, um aborto químico, tão gravemente imoral quanto o aborto cirúrgico".


A entidade afirmou ainda que o arcebispo de Recife e Olinda, dom José Cardoso Sobrinho, "é movido por zelo pastoral e por fundamentadas motivações éticas" ao criticar a distribuição do anticoncepcional. "Sua iniciativa merece todo o nosso apoio."

A coordenadora-executiva da Aduseps, Renê Patriota, afirmou que recorrerá da decisão. Ela disse ainda que ingressará com ações semelhantes contra as prefeituras de Olinda e Paulista, que também distribuirão a pílula durante o Carnaval.

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31/01/2008 - 15h55
Notícia C: Justiça proíbe carro alegórico que faz alusão ao Holocausto no Rio


http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u368623.shtml

A Justiça do Rio proibiu nesta quinta-feira a escola de samba Viradouro de desfilar com um carro alegórico que faz alusão ao Holocausto. O carro apresenta vários corpos empilhados em alusão aos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

O pedido de proibição foi feito pela Fierj (Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro) durante o plantão judiciário (das 18h às 11h) e acatado pela juíza Juliana Kalichsztein. Em sua decisão, a juíza impõe multa de R$ 200 mil para a escola se o carro desfilar.

Segundo o advogado Ricardo Brajterman, da Fierj, a federação já havia tentado, em conversas anteriores, convencer a Viradouro a desistir da idéia ou colocar uma mensagem de advertência, como "Holocausto nunca mais" no carro. "Mas a escola silenciou", disse Brajterman.

"Por volta das 23h ficamos sabendo que o carro traria um destaque vestido de [Adolf] Hitler. Imagine Hitler sambando à frente dos judeus e poloneses e outras vítimas do Holocausto mortas", disse o advogado. "O Carnaval é uma festa sensual. Não é o espaço certo para a discussão desse tema".
A decisão da juíza também prevê multa de mais R$ 50 mil se algum membro da escola entrar na avenida vestido de Hitler.

O desfile da Viradouro, "É de arrepiar", estava previsto para levar à avenida oito carros, segundo a sinopse dos desfiles divulgada pela Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio). Além do Holocausto, os carros trariam temas supostamente ligados ao arrepio, como o frio, o nascimento e o Kama Sutra --tema de um carro que viria antes do carro sobre a matança de judeus--, e baratas, que viria depois.

A reportagem entrou em contato com a Viradouro em cinco número de telefone diferentes, mas os recados não foram respondidos até a tarde de hoje.


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veja aqui Liminar da Juiza contra passistas vestidos de Hitler

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04/02/2008 - 05h30
Notícia D : Viradouro protesta e leva arrepios à Sapucaí durante desfile


da Folha Online

A Viradouro, última escola a desfilar na primeira noite do Grupo Especial do Rio, protestou contra a decisão da Justiça de barrar um dos carros alegóricos que fazia alusão ao Holocausto e provocou arrepios no público da Marquês de Sapucaí ao levar à avenida uma pista de ski de 9 metros de altura, abastecida por 26 toneladas de gelo trituradas momentos antes da exibição. Na pista, atletas da CBDN (Confederação Brasileira dos Desportos de Neve) se apresentaram com pranchas de snowboard.

Antes da Viradouro, desfilaram a São Clemente, a Porto da Pedra, a Salgueiro, a Portela e a Mangueira. Confira a cobertura completa do Carnaval na Folha Online.

Com o enredo "É de arrepiar", a segunda alegoria da Viradouro, a do arrepio do cabelo, remeteu ao castelo de Edward, personagem de "Edward, Mãos de Tesoura", produção assinada pelo diretor de cinema Tim Burton. Um imenso salão de beleza e personagens urbanos como punks também foram representados.

O terceiro setor abordou o arrepio da paixão --da amizade, passando pelo toque nas mãos, beijo na boca, paixões, até insinuações de sexo. Uma imensa cama representou o Kama Sutra (manual indiano de posições sexuais).

A alegoria referente ao nascimento contou com a escultura de um bebê gigante segurado pelos pés, de cabeça para baixo. A escola fez ainda uma ala com referência a obra Escafandro, de Leonardo da Vinci, referência à letra "Trenzinho Caipira", de Villa Lobos, e à obra O Espantalho, de Portinari.

Em outro setor, a escola retratou insetos repugnantes --como baratas e aranhas--, além de ratos e cobras. Personagens que ganharam as telas de cinema, como Fred Krueger, Chucky e o demônio do filme "O Exorcista", também foram lembrados pela Viradouro como criaturas que causaram arrepios.

Encerrando o desfile, a Viradouro fez Cartola pisar na Sapucaí. A escola trouxe ainda uma de suas mais conhecidas obras, "As Rosas Não Falam", na intenção de provocar o arrepio da saudade no público.


Repugnância



A Viradouro pretendia mostrar o arrepio da repugnância, mas teve de mudar a proposta por ordem judicial.

Inicialmente, dentro do contexto do enredo, falaria do Holocausto tendo a figura de Adolf Hitler à frente do carro. Em cima da alegoria estavam corpos sobrepostos e objetos que remetiam a um campo de extermínio de judeus.

Atendendo a um pedido da Fierj (Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro), a juíza Juliana Kalichsztein proibiu a escola a desfilar com o carro. Agora, mostrou uma alegoria adaptada, que abordou a liberdade de expressão.

O carro entrou no sambódromo com componentes vestidos de branco e amordaçados. Sobre eles, a figura de Tiradentes. O carro ainda tinha faixas. Uma dizia "Liberdade ainda que tardia", e outra "Não se constrói o futuro enterrando a história".

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1/2/2008 01:26:00

Notícia E : Choro pelo Holocausto


Viradouro muda alegoria que representaria extermínio dos judeus na Segunda Guerra e traria Hitler, devido à decisão judicial que proibiu o carro. Escola vai abordar liberdade de expressão


Rio - A Viradouro entrará na Avenida sem o polêmico carro do Holocausto. A decisão foi tomada depois que a Federação Israelita do Rio conseguiu liminar da Justiça impedindo a utilização da alegoria no desfile. A entidade, que tentava por meio do diálogo demover a escola da idéia de representar o extermínio dos judeus na Segunda Guerra, mudou de idéia depois que soube através de O DIA que o carro teria representação do ditador nazista Adolf Hitler como destaque, em cima da pilha de corpos nus e esqueléticos. A decisão levou o carnavalesco Paulo Barros às lágrimas.

O carro, que custou R$ 400 mil, foi desmontado ontem. No lugar da alegoria, outra fará uma crítica velada à decisão da Justiça, abordando o tema da execução do direito de expressão. “Não digo que foi uma censura, mas a nossa intenção foi cerceada, de certa forma”, afirmou o presidente da Viradouro, Marco Lira.

Ele não adianta como será o novo carro, mas informa que abordará limitações da expressão somente no Brasil. “O direito de expressão que nós vamos retratar vai ser focado diretamente no nosso povo”, resume. Lira sugere que a alegoria deve tratar de temas como violência, ditadura e escravidão.

O presidente da escola disse que não faria nenhum tipo de apelação para derrubar a liminar. A decisão da juíza Juliana Kalichsztein indica que “nenhuma ferramenta de culto ao ódio” deve ser usada. O advogado da federação, Ricardo Brajterman, alegou “vilipêndio do sentimento religioso” para barrar a alegoria. “A federação queria que o carro viesse com uma faixa: Holocausto nunca mais, mas eles não aceitaram”.

O presidente da federação, Sérgio Niskier, que já havia manifestado preocupação com o carro, como noticiou O DIA no dia 18, aplaudiu a decisão: “Colocar um homem fantasiado de Hitler no alto do carro seria abuso ainda maior”.

COMEÇAR DO ZERO

A 72 horas do Carnaval, a Viradouro terá de começar do zero um novo carro. Paulo Barros disse que amanhã a alegoria estará pronta. Se o setor do Holocausto não fosse substituído, a Viradouro teria sete carros. O mínimo exigido pela Liga Independente das Escolas de Samba é cinco.

O presidente da Liesa, Jorge Castanheira, diz que a substituição da alegoria não prejudica a escola. “Basta que a escola envie, antes do desfile, errata para encaminharmos aos julgadores”, explicou. Barros contou que pretendia levar um Hitler arrependido para a Avenida. “O Corintho, que desfilaria no carro representando Hitler, ia fazer uma interpretação de culpa”, disse, referindo-se ao empresário Corintho Rodrigues.

A Sapucaí já foi cenário de outras polêmicas. Em 1989, o Cristo mendigo do carnavalesco Joãosinho Trinta, do enredo ‘Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia’, teve que ser coberto. Ele viveu situação parecida em 2004, na Grande Rio, quando retrataria posições sexuais do Kama Sutra.

Israel condenou a alegoria

O governo israelense, através de sua embaixada, também se posicionou de forma contrária à exibição de alegoria sobre Holocausto na Avenida. Segundo o primeiro-secretário, Rafael Singer, o tema não se restringe à comunidade judaica, mas à Humanidade, e o Carnaval não é data adequada para a reflexão. “Achamos importante o tema do Holocausto ser tocado em qualquer lugar, mas misturar com Carnaval é inadequado”, afirmou.

Singer defende a abordagem do Holocausto como forma de educar os mais jovens contra o risco do nazismo. “O Holocausto não é um crime contra os judeus, mas contra a Humanidade”.

O Centro Simon Wiesenthal, grupo internacional judaico de defesa dos direitos humanos, pronunciou-se contra a utilização do Holocausto no Carnaval do Rio. O temor da instituição era de que o desfile da escola profanasse a memória do Holocausto.

O grupo, representado por Sérgio Widder, chegou a enviar carta à Viradouro pedindo que a escola desistisse da idéia de usar a alegoria.

JORNAIS NOTICIAM A POLÊMICA

A polêmica do carro alegórico da Viradouro ganhou o noticiário de diversos jornais do mundo. Assim que a Justiça se pronunciou contra o carro, o diário ‘The Jerusalem Post’ estampou a notícia da liminar expedida pela juíza Juliana Kalichsztein em seu site. Ainda em Israel, o ‘Haaretz’ também divulgou a decisão. A notícia é acompanhada de uma grande foto da escultura dos corpos nus e esqueléticos que deveriam compor o carro.

A rede de TV americana CNN publicou igualmente em seu site o veto ao carro alegórico. A reportagem foi veiculada à tarde, antes de a escola se pronunciar oficialmente e a assessora de imprensa da Viradouro era citada negando a intenção de excluir a alegoria. “Nós não vimos a liminar”, afirmou.

“Não haverá nenhuma pilha de corpos despidos e mutilados, e nenhum Hitler dançando, no maior Carnaval do mundo”, diz matéria do ‘Herald Review’, de Illinois, nos EUA. A rede de TV britânica BBC também deu destaque para a reação da Federação Israelita depois que o grupo soube que representação de Adolf Hitler seria destaque em cima da alegoria.


5 MINUTOS: ‘ESTÁ MAIS PARA GLORIFICAÇÃO DO NAZISMO’

1— Como o senhor recebeu a notícia de que uma escola de samba do Rio iria levar para a Avenida imagens que faziam referência ao Holocausto?
— Com muita surpresa. Esse tipo de comportamento não é habitual. É muito estranho. Não conseguimos entender como seria possível manter o clima de festa com um carro cheio de corpos mutilados. Isso iria arruinar o Carnaval.

2— O carnavalesco da Viradouro, Paulo Barros, disse que o carro seria uma homenagem às vítimas da tragédia. O senhor concorda com tal ponto de vista?
— Essa atitude está mais para a glorificação do nazismo do que para homenagem às vítimas dele.

3— Na sua opinião, o uso dessas imagens e a polêmica criada em torno da alegoria poderiam comprometer o Carnaval da escola este ano?
— Com esse pensamento ofensivo à memória das vítimas e aos sobreviventes do Holocausto, o máximo que a Viradouro conseguiria era ganhar prêmio do presidente do Irã (Mahmoud Ahmadinejad, que afirmou que a tragédia não existiu).

4 —A pressão imposta sobre a escola e a determinação da Justiça não podem ser comparadas a uma censura prévia?
—Isso não é uma questão de censura, e sim de boa fé. Este assunto já tinha passado do limite.

5— A mudança imposta pela Justiça a pedido da Fierj pode gerar mal-estar para a comunidade judaica no Brasil?
— Não acredito nisso. Qualquer pessoa de boa consciência se sentiria ofendida durante o desfile se fossem mantidas aquelas imagens horríveis.

SERGIO WIDDER, representante do Centro Simon Wiesenthal na América Latina

Reportagens de Flávia Salme, Josie Jerônimo, Mahomed Saigg, Rafael Cavalcanti e Pedro Moraes

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1/2/2008 17:17:00
Notícia F:
Artigo: Luis Carlos Magalhães critica veto do carro do Holocausto


Colunista analisa polêmica com a Viradouro e diz: 'um pedaço do carnaval de 2008 foi embora'



Luis Carlos Magalhães
(Colunista do Dia na Folia)


Há mais ou menos vinte anos eu fazia um trabalho sobre o movimento negro e fui conversar com Nei Lopes. O mestre deu uma boa aparada em meus pensamentos e me emprestou alguns livros. Disse que os marxistas simplificavam a questão racial no contexto da luta de classes, numa simplificação da qual ele discordava.

Foi num botequim de Vila Isabel que ouvi dele que “... só nós negros é que sabemos que são coisas muito diferentes”.

Não sou negro e também não sou judeu.

Lembrando as palavras do “professor” aí em cima, sei que não sei a dor que o povo judeu sente quando o holocausto é falado ou mostrado, seja lá onde for. O sacrifício de seus pais, de seus avós, ou de seus próprios. A suprema humilhação, covardia e submetimento.

Da mesma forma ninguém de minha genealogia foi açoitado, seqüestrado, amarrado atravessando o Atlântico, vomitando em si próprio, defecando sobre si mesmo, vendo seus iguais sendo atirados doentes ao mar, em uma viagem interminavelmente longa.

Tenho uma idéia do que pode ter sido aquilo e do suplício da escravidão. Da dor do açoite.

Se a alegoria da Viradouro era um brado de repúdio, como afirma a escola em sua defesa, ou se era um “escárnio”, “um espetáculo abominável para os sobreviventes...”, como afirmam os israelitas, ou a “banalização da barbárie”, na expressão da juíza, nunca saberemos. São juízos de valor. Muitos julgarão de uma forma, muitos julgarão de outra, é só esperar o resultado das enquetes dos sites carnavalescos.


Se o holocausto dos índios brasileiros, dos negros, são equiparáveis ou não... outro juízo de valor. Mas foram, e são mostrados no carnaval. De minha parte lamento o veto.


E aí pergunto: terá havido censura?


Haveria se o veto partisse do poder público diretamente, ou da igreja ou até da Liesa. Não foi isto.

Alguém, ou um grupo, se sentiu atingido e republicanamente acionou o poder judiciário. Se a juíza errou ou não, é também juízo de valor, só que, aqui, dentro da lei processual.

Cabe à escola cassar a decisão.

Essa é uma questão menor. Em defesa de carnavalesco, quero dizer que há um número i-ni-ma-gi-ná-vel de jovens que não só nunca viu, nenhuma única vez, a cena do Holocausto, como não tem idéia da razão de toda essa polêmica. Insisto, é um número inimaginável de jovens. Muitos deles estariam na Sapucaí. A alegoria estaria prestando um grande serviço à causa da Humanidade.


De minha parte, repito, lamento, mas lamento muito mesmo, com todo respeito a todo mundo aí em cima.

A primeira vez que vi a cena do holocausto foi no extinto cine Art Palácio Tijuca, na primeira ou segunda vez que entrei em um cinema. Nunca vou esquecer aquele dia.
Considero a maior cena de horror de toda a história da humanidade. Ou porque é mesmo ou porque foi tão exaustivamente divulgada, diferentemente dos genocídios de populações negras da áfrica, seja pela fome seja pelo flagelo da AIDS.

Considero que a cena, ou o carro, não acrescentaria tanto ao repúdio já tão consagrado, nem significaria tanto em desrespeito aos familiares das vítimas.

Não consigo imaginar a cena carnavalizável, me assustei quando a vi pela primeira vez no barracão. Não conheço a dramatização com Hitler, e nem se isto pesou mais que o próprio carro.

Se representaria um marco inesquecível do carnaval ou um marco de desastre de concepção, de equívoco maior do carnaval, um de seus piores momentos, só poderíamos saber lá, na hora, no exato momento em que o carro passasse, já escrevi isto antes.

O carnavalesco assumiu o risco, por isso é o que é hoje no cenário da festa: seu maior expoente e seu maior alvo de polêmicas.

Veríamos então algo nunca visto. O carnaval seria ele próprio testado em sua nova instância, colocado numa posição sem precedentes, tal o sentido e o significado que a escola quis dar à alegoria, tal a dramaticidade e a dor que o tema evoca. A verdade, a única verdade, e não juízos de valor, se revelaria ali. O carnaval revelaria a verdade.

Acho que um pedaço do carnaval de 2008 foi embora, ficou lá naquela escuridão do Fórum, junto com aquela papelada toda.

* Luis Carlos Magalhães é pesquisador de carnaval

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1/2/2008 19:40:00

Notícia G : Viradouro: Confira a justificativa do carro alegórico que vai substituir a alegoria do Holocausto





Rio - O carnavalesco Paulo Barros apresentou, na noite desta quinta, a justificativa do carro que irá substituir o do Holocausto. O nome da alegoria é "A execução da liberdade". O texto será enviado à Liga Independente das escolas de samba, como adendo ao material já entregue aos jurados. Na foto, o secretário de Turismo, Rubem Medina, visita o barracão e vê o novo carro sendo confeccionado.

Confira a íntegra do texto:
"A Viradouro subverte a tristeza e desnuda o horror da intolerância. O cerceamento da liberdade de expressão é o terreno mais fértil para que proliferem a violência, o desrespeito, a brutalidade, o extermínio.

Nem os algozes, nem as vítimas da trágica história da humanidade têm o direito de ocultar os fatos, entorpecer a memória. A proibição sumária da expressão artística é o primeiro passo em direção ao precipício: queimar livros, censurar filmes, destruir alegorias. Por trás de toda arbitrariedade, se esconde a mediocridade, a impossibilidade de vencer a força das idéias, e o que resta é dizimá-las.

A "execução da liberdade" é a quinta alegoria da Escola e percorre a avenida para lembrar que o extermínio pode ser a conseqüência do preconceito, da intolerância, do desrespeito à diversidade. Inicialmente concebida para representar um dos maiores genocídios da humanidade, o holocausto, o carro foi impedido de desfilar por mandato judicial da Federação Israelita do Rio de Janeiro, no dia 31 de janeiro de 2008.

Algumas reações de organismos nacionais e internacionais deixam clara a incompreensão de que o desfile das escolas de samba é um poderoso instrumento de divulgação de idéias, de sensibilização de corações e mentes de todo o planeta.

O carnaval foi apontado como "espaço inapropriado, em seu ambiente festivo", "desfile com música, mulheres e homens semi desnudos dançando alegremente face a recordação das vítimas do Holocausto", "um espetáculo abominável para os sobreviventes e suas famílias". É claro que houve a compreensão das intenções da escola, ou seja, alertar contra o genocídio de milhares de seres humanos.

A alegoria enquanto escultura, se exposta em uma bienal de arte seria aceita. Na avenida, se torna inadequada. Outras formas de arte retratam o holocausto, como o cinema, o teatro e as artes plásticas. As salas de cinema e os salões dos museus são os espaços mais adequados para que o povo reflita sobre as barbaridades do homem?

Considerar "escárnio" desfilar como tema tão contundente na Marquês de Sapucaí é descredenciar uma das mais importantes manifestações culturais brasileiras. Palco de lutas pela liberdade, a Avenida mostrou, ao longo de anos de desfile, a opressão contra negros e índios, a resistência dos migrantes nordestinos contra a miséria, a saga de heróis que foram mártires nas batalhas pela democracia.

O holocausto atingiu não apenas aos judeus, marcando a vida de comunistas, homossexuais, ciganos, deficientes mentais e físicos, intelectuais que discordavam do regime de Hitler, homens, mulheres e crianças que morreram brutalmente, vítimas do nazi-fascismo. A execução do direito de liberdade e a intolerância para com a diversidade cultural, ideológica e religiosa assassinou negros, índios, alquimistas, visionários.

A quinta alegoria da Viradouro, passará na Sapucaí representando um protesto contra todo o tipo de extermínio da vida e da liberdade. Não se conta a verdadeira história do homem só com poesia e prazer. As cicatrizes da alma são a melhor forma de proteção contra novas feridas".

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Notícia H: 3/2/2008 01:03:00

Viradouro: Carro fará alusão à censura


Quinta alegoria da Viradouro deverá monopolizar as atenções do público no Sambódromo


Rio -
Na virada de hoje para amanhã, quando começar o desfile da Unidos do Viradouro, todas as atenções estarão voltadas para o quinto carro alegórico da escola de Niterói. Batizado de ‘A Execução do Direito de Expressão’, o novo carro substituirá aquele que faria referência ao Holocausto — o extermínio de 6 milhões de judeus pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial — e que foi proibido de desfilar por uma liminar da juíza Juliana Kalichszteim a pedido da Federação Israelita do Rio de Janeiro (Fierj), após reportagem de O DIA.

Sexta-feira o secretário municipal de Turismo, Rubem Medina, visitou o barracão da Viradouro. Medina, que é judeu, disse que é a favor da liberdade de expressão, mas desaprovou a alegoria da escola: “Sou contra qualquer tipo de censura, mas o Holocausto não deve ser lembrado no Carnaval”. Se a Viradouro não cumprisse a determinação, pagaria multa de R$ 200 mil.

A idéia do carnavalesco Paulo Barros — expor os horrores dos campos de concentração em alegoria com corpos nus, esqueléticos e empilhados — logo suscitou protestos da comunidade judaica. O presidente da Fierj, Sérgio Niskier, chegou a dizer que temia que o carro causasse mal-estar na Avenida e tivesse repercussão negativa em todo o mundo ao banalizar as vítimas do nazismo. Por mais que o carnavalesco declarasse que o tema seria tratado de forma respeitosa, outros representantes judeus também demonstraram descontentamento. O carnavalesco da Grande Rio, Roberto Szaniecki, que é judeu polonês, foi um dos que afirmou não entender a mensagem idealizada pelo colega da Viradouro.

A polêmica envolvendo o carro da Viradouro cresceu ainda mais quando outra reportagem de O DIA informou que haveria um destaque representando Adolf Hitler.

Segundo a liminar da juíza, se algum componente desfilar fantasiado do ditador, a escola terá que desembolsar R$ 50 mil. O empresário Corintho Rodrigues, que interpretaria o líder nazista na alegoria, deverá interpretar outro personagem no carro sobre a censura.

Alegoria sobre Kama Sutra é polêmica

O enredo ‘É de arrepiar’, da Unidos da Viradouro, deve trazer pelo menos mais um carro alegório que promete causar rebuliço na Avenida. Trata-se do Kama Sutra, que retrata os milenares ensinamentos do livro indiano sobre posições sexuais.

Segundo a descrição feita na ficha técnica do enredo, a alegoria é uma ‘gigantesca cama que esconde casais fazendo amor’. Funcionários do barracão, por sua vez, explicam que o carro traz “mulheres sentadas no colo dos parceiros como se estivessem dançando o créu”.

O carro já causa preocupação em entidades ligadas à proteção dos jovens, como o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente.

Esta não é a primeira vez que um carro alegório sobre Kama Sutra desfila no Sambódromo. Em 2004, o carnavalesco da Grande Rio, Joãosinho Trinta, se viu obrigado a cobrir seus carros por uma determinação da Justiça.