31.10.06

Distribuição de renda no Brasil

PESQUISA
Pobre rica classe média


Na massa intermediária está quase metade da renda do país, diz estudo

por Paulo César do Nascimento


Alguém no Brasil que tenha uma renda mensal de pelo menos R$ 2.000,00 pode ser considerado rico? A resposta é sim, de acordo com estudo realizado pelo professor do Instituto de Economia da Unicamp, Rodolfo Hoffmann. Mas os resultados da pesquisa "Distribuição da Renda no Brasil: poucos com muito e muitos com muito pouco" revelam surpresa maior ao demonstrar que pessoas com aquela renda integram o privilegiado grupo dos 10% mais ricos do país, o que não é pouco: trata-se de mais de seis milhões de brasileiros e não – ao contrário do que se imagina – de algumas dezenas de milionários freqüentemente expostos aos refletores e ao glamour da mídia.

Embora o assunto possa parecer esgotado – afinal, ainda que não seja mazela exclusiva do Brasil, é notória a injusta distribuição de renda no país– a análise do professor Hoffmann tem o mérito de abordá-lo de maneira inovadora. A partir de estatísticas recentes e confiáveis, ele apresenta números que não só corroboram a grande desigualdade da distribuição da renda nacional, mas, principalmente, enfatizam de forma clara e atualizada os diferentes níveis de renda da população economicamente ativa.

Para estudar as características da distribuição da renda no Brasil, Hoffmann utilizou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE em 1998 e que encontrou no país (exceto nas áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, não cobertas pela pesquisa) quase 77 milhões de pessoas economicamente ativas.
Na análise, porém, ele restringiu-se aos cerca de 61,6 milhões de pessoas economicamente ativas com rendimento positivo, já que nada menos que 18,6% do total coberto pela PNAD tinha rendimento igual a zero, ou seja, era constituído de pessoas sem remuneração, incluídos nessa categoria os membros não remunerados das famílias dos pequenos agricultores, onde o resultado do trabalho familiar é declarado como rendimento do chefe. Após fazer uma correção para compensar a subdeclaração, o rendimento médio daquelas 61,6 milhões de pessoas é cerca de R$ 950,00.

Classe média? – Mesmo ponderando que a principal limitação dos dados é, certamente, a subdeclaração das rendas elevadas, Hoffmann chegou a números que, no mínimo, convidam a uma reflexão acerca de critérios e rótulos convencionalmente aplicados para se definir categorias sócio-econômicas no Brasil a partir da renda – utilizados mais pela força do hábito do que propriamente embasados em dados científicos. O contingente populacional que no país se convencionou chamar de classe média, por exemplo, à luz do trabalho do professor da Unicamp está equivocadamente posicionado no cenário da distribuição da renda nacional.

"Analisando-se o rendimento das pessoas economicamente ativas, percebe-se que cada uma das pessoas que estão entre os 10% mais ricos ganham pelo menos R$ 2.000,00. São, portanto, pessoas relativamente ricas para a distribuição da renda no Brasil, mas que costumam se considerar pobres. Quando muito a pessoa admite pertencer à classe média", observa Hoffmann.
"O estudo revela, contudo, que não se pode considerar integrante de uma massa intermediária da população um contingente que se apropria de quase a metade de toda a renda nacional", pondera.

Ignorar a extensão territorial brasileira e as enormes diferenças sócio-econômicas entre as regiões contribui para agravar a falta de idéias corretas sobre a distribuição de renda. "Não se pode esquecer que a região Nordeste, com 29% da população analisada, tem 52% do total de pessoas pobres e 54,6% da insuficiência de renda, e exibe medidas de pobreza cujo valor está próximo do dobro do observado para o país como um todo", salienta Hoffmann.

Contradições - Ele acrescenta que, discutir questões polêmicas como a taxação de riquezas e a redistribuição de renda, sem a percepção de aspectos como os abordados em seu trabalho – e aqui Hoffmann vê uma importante contribuição de seu estudo – leva a sérias contradições.

"Os 10% mais ricos têm cerca de 47,2% da renda total, o que significa que sua renda média é 4,72 vezes maior do que a média geral, ou cerca de R$ 4.500,00. Contudo, pessoas com rendimento dessa ordem de grandeza, quando discutem a cobrança de impostos e afirmam que se deveria aumentar a taxação de riquezas, consideram que ricos são pessoas com rendimento substancialmente superiores aos seus próprios", argumenta. "Contudo, o estudo revela que, na verdade, elas é que teriam de ser taxadas."

Para Hoffmann, taxar somente os 1% mais ricos do país - algo em torno de 600 mil pessoas da população economicamente ativa – com o objetivo de redistribuição da renda resultaria em transferência de uma fração muito pequena da renda total. "Ou seja, se o desejo for, de fato, redistribuir renda, a medida só trará resultados reais se atingir a parcela da população que hoje se considera classe média."

Ele acha válidas, porém insuficientes, para a melhor distribuição, iniciativas como o programa de renda mínima. "É um programa que merece ser ampliado, porque proporciona algum tipo de renda a quem tem muito pouco, além de promover a freqüência das crianças às escolas. Mas a distribuição da renda no Brasil não será alterada com uma única medida. Tem que ser uma preocupação constante e presente em todas as decisões políticas e econômicas."
Desfile de anões - Em seu estudo, Hoffmann faz uma referência a uma consagrada passagem do livro Income distribution: facts, theories, policies do economista holandês Jan Pen, em que ele, para descrever a distribuição de renda na Inglaterra, imaginou um desfile de pessoas ordenadas conforme valores crescentes da renda e admitiu que, num passe de mágica, as pessoas ficassem com altura proporcional à sua renda, de maneira que a altura média correspondesse à pessoa com renda média.


Hoffmann emprestou a idéia de seu colega europeu e imaginou um desfile semelhante, com uma grande amostra de pessoas representando a distribuição da renda na população economicamente ativa brasileira, admitindo que todo o desfile, do mais pobre ao mais rico, iria durar 100 minutos.

Nesse exemplo, ao final de 10 minutos de desfile, estaria passando uma pessoa com altura incrivelmente baixa. Ao final de 25 minutos ainda estariam passando pessoas com altura igual a um quarto da média. No meio do desfile, isto é, após 50 minutos, estariam passando anões com altura igual à metade da média. Só quando já tivessem passado três quartos do desfile é que seriam observadas pessoas com altura média, representando a renda média.

No início dos últimos dez minutos desfilariam gigantes com altura igual a 2,1 vezes a média. No início do último minuto passaria uma pessoa com altura maior do que oito vezes a altura média. De acordo com dados da PNAD estudada, o desfile terminaria com uma pessoa cuja altura seria 122 vezes a média.

"Devido à forte assimetria positiva da distribuição de renda, há muito mais pessoas com renda abaixo da média do que acima da média", esclarece Hoffmann. Assim, quem assiste ao desfile imaginado por Pen vê, durante a maior parte do tempo, a passagem de anões. Por isso, Pen afirmou que essa é uma parada de anões, e apenas alguns gigantes.
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Fonte: Jornal da Unicamp - Maio de 2000

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