13.1.07

Identidades vazias. Uma análise crítica da Internet feita por Slavoj Zizek

7/1/2007


Eleger a internet como exemplo democrático é esconder diferenças sociais, institucionais e psicológicas entre as vidas "real" e "virtual" afirma Slavoj Zizek, filósofo esloveno em artigo publicado hoje, 7-1-2007, no jornal Folha de S. Paulo. Ele escreve que "da mesma maneira que o café descafeinado tem cheiro e gosto semelhantes aos do café sem ser café, minha persona na rede, o "você" que vejo lá, é sempre um "eu" descafeinado. Por outro lado, existe também o excesso oposto, e muito mais perturbador: o excedente de minha persona virtual com relação ao meu "eu" real".


Eis o artigo.


"Na edição de 25 de dezembro da revista "Time", o prêmio tradicional de "Pessoa do Ano" não foi concedido a Mahmoud Ahmadinejad [presidente do Irã], Kim Jong-Il [ditador norte-coreano], Hugo Chávez [presidente venezuelano] ou qualquer outro membro da gangue dos usuais suspeitos, mas a "você": a todos e a cada um de nós... usuários e criadores de conteúdo na web. A capa mostra um teclado branco com um espelho para uma tela de computador onde cada um de nós, leitores, pode ver seu reflexo. Para justificar a escolha, os editores mencionaram a transição das instituições para os indivíduos, que estão ressurgindo como cidadãos da nova democracia digital.


Há coisas que os olhos não conseguem ver, nessa escolha, e em um sentido mais amplo do que o comum nessa expressão. Se algum dia já houve uma escolha ideológica, esse é um caso que merece perfeitamente a classificação: a mensagem -uma nova democracia cibernética na qual milhões podem se comunicar e organizar diretamente, contornando o controle estatal centralizado- encobre uma série de brechas e tensões perturbadoras.


A primeira e mais evidente das ironias é que cada pessoa que olhe a capa da "Time" não verá as demais pessoas com quem supostamente se relaciona diretamente, e sim um reflexo de sua própria imagem. Não admira que Leibniz [1646-1716] seja uma das referências filosóficas preferenciais dos teóricos do ciberespaço: afinal, a imersão das pessoas no ciberespaço não se enquadra perfeitamente à nossa redução a uma mônada leibniziana que, embora "sem janelas" capazes de se abrir diretamente para as realidades externas, espelha em si mesma todo o universo?



Será que o típico internauta atual, sentado sozinho diante da tela de seu computador, não representa mais e mais uma mônada sem janelas diretas para a realidade, envolvido apenas com simulacros virtuais, e no entanto mais e mais imerso na rede mundial, e se comunicando de maneira sincrônica com todo o planeta?


Uma das mais recentes modas entre os radicais do sexo são as maratonas de masturbação, eventos coletivos nos quais centenas de homens e mulheres se autopropiciam satisfação sexual para fins de caridade. A masturbação cria uma coletividade a partir de indivíduos dispostos a compartilhar uns com os outros... o quê?


O solipsismo de uma diversão estúpida. Seria possível propor que as maratonas de masturbação são a forma de sexualidade que se enquadra de maneira mais perfeita às coordenadas do ciberespaço. Mas isso é apenas uma parte da história. O que se torna preciso acrescentar é que o "você" que se reconhece enquanto imagem em uma tela padece de uma profunda divisão: eu jamais me limito a ser a persona que assumo na máquina. Primeiro, existe o (bastante evidente) excesso do eu como pessoa corpórea "real" além da persona virtual.


Ética virtual
Os marxistas e outros pensadores de inclinações críticas gostam de apontar para o fato de que a igualdade do ciberespaço é enganosa -ela ignora todas as complexas disposições materiais (meu patrimônio, minha posição social, meu poder ou falta dele etc.). A inércia da vida real desaparece magicamente na navegação pelo ciberespaço, desprovida de fricção.


No mercado atual, encontramos toda uma série de produtos privados de suas propriedades malignas: café sem cafeína, creme sem gordura, cerveja sem álcool... ciberespaço. A realidade virtual simplesmente generaliza esse procedimento: cria uma realidade privada de substância. Da mesma maneira que o café descafeinado tem cheiro e gosto semelhantes aos do café sem ser café, minha persona na rede, o "você" que vejo lá, é sempre um "eu" descafeinado.


Por outro lado, existe também o excesso oposto, e muito mais perturbador: o excedente de minha persona virtual com relação ao meu "eu" real. Nossa identidade social, a pessoa que presumimos ser em nosso intercurso social, já é uma máscara, já envolve a repressão de nossos impulsos inadmissíveis, e é precisamente nessas condições de "só uma brincadeira", quando as regras que regulam os intercâmbios de nossas vidas reais estão temporariamente suspensas, que podemos nos permitir a exibição dessas atitudes reprimidas.


Basta lembrar do mitológico sujeito tímido e impotente que, participando de um jogo virtual interativo, adota a identidade de um assassino sádico e sedutor irresistível. Seria simples demais afirmar que essa identidade é apenas um suplemento imaginário, uma fuga temporária de sua impotência na vida real. Na verdade, o que importa é que, porque ele sabe que o jogo virtual é "apenas um jogo", ele se sente capaz de exibir "seu eu real", fazer coisas que nunca fez em interações reais -sob a capa de uma ficção, a verdade sobre ele se articula.


O fato mesmo de que eu perceba minha auto-imagem virtual como simples brincadeira me permite, assim, suspender os obstáculos que usualmente impedem que eu realize meu "lado escuro" na vida real -meu "id eletrônico" ganha asas, dessa forma. E o mesmo se aplica aos meus parceiros na comunicação via ciberespaço. Não há como ter certeza de quem sejam, de que sejam "realmente" como se descrevem, ou de saber se existe uma pessoa "real" por trás da persona on-line. A persona on-line é uma máscara para uma multiplicidade de pessoas? A pessoa "real" com quem converso possui e manipula mais personas no computador, ou estou simplesmente me relacionando com uma entidade digitalizada que não representa pessoa "real" alguma?


Existência sublimada
Para resumir, "interface" quer dizer exatamente que minha relação com o outro nunca acontece face a face, que sempre há a mediação de uma maquinaria digital interposta cuja estrutura é labiríntica: eu "navego", eu me perco sem muito rumo nesse espaço infinito onde mensagens circulam livremente sem destino fixo, enquanto seu Todo -esse imenso circuito de murmúrios- continua para sempre além do escopo de minha compreensão. O obverso da democracia direta do ciberespaço é essa caótica e impenetrável magnitude de mensagens e seus circuitos, que nem mesmo o maior esforço de minha imaginação é capaz de compreender -o filósofo Immanuel Kant [1724-1804] teria classificado o ciberespaço como "sublime".

Pouco mais de uma década atrás, havia um brilhante comercial inglês de cerveja. A primeira parte reproduzia a conhecida história de uma moça que caminha ao longo de um riacho, vê um sapo, o toma nas mãos e beija, e o sapo miraculosamente se transforma em príncipe. Mas a história não acabava assim. O jovem olhava a moça de um jeito cobiçoso, a tomava nos braços, a beijava e ela se transformava em uma garrafa de cerveja, que ele exibia em um gesto triunfante.


Assombração na rede
A moça fantasiava sobre um sapo que na verdade era príncipe, o rapaz sobre uma moça que na verdade era uma garrafa de cerveja: para a mulher, seu amor e afeto (sinalizado pelo beijo) poderiam fazer de um sapo um príncipe, enquanto para o homem, tudo não passa de um esforço para reduzir a mulher ao que os psicanalistas designam como "objeto parcial" -aquilo que, em você, me faz desejar você (é claro que um argumento feminista óbvio seria que as mulheres, em sua experiência amorosa cotidiana, em geral experimentam a passagem oposta: beijam um belo jovem e, quando o vêem de perto, ou seja, tarde demais, descobrem que ele é um sapo...).


O casal real de homem e mulher, portanto, vive assombrado por essa bizarra figura de um sapo abraçando uma garrafa de cerveja. O que a arte moderna propicia é exatamente esse espectro subjacente. É perfeitamente possível imaginar um quadro do pintor surrealista Magritte no qual um sapo abraça uma garrafa de cerveja, com um título como "Homem e Mulher" ou "Casal Ideal" (a associação com a famosa cena surrealista do burro morto ao piano [do filme "O Cão Andaluz"] fica completamente justificada, nesse caso).


É essa a ameaça do ciberespaço e de seus jogos, no plano mais elementar: quando um homem e uma mulher interagem nele, podem se ver assombrados pelo espectro do sapo que abraça a cerveja. Já que nenhum dos dois está consciente disso, as discrepâncias entre o que "você" realmente é e o que "você" aparenta ser no espaço digital podem resultar em violência homicida."


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10.1.07

MTV recebe mais de 20 mil e-mails contra bloqueio do YouTube

09/01/2007 - 16h01
MTV recebe mais de 20 mil e-mails contra bloqueio do YouTube
Da Redação

O bloqueio ao site YouTube provocou uma onda de protestos. O site começou a ser bloqueado nesta segunda-feira por empresas de telefonia após decisão judicial em favor do namorado da modelo Daniela Cicarelli, Tato Malzoni. Ele quer impedir a exibição de imagens gravadas em uma praia da Espanha em que os dois aparecem em cenas íntimas.


Ao menos 5,7 milhões de internautas, usuários da Brasil Telecom, ficaram sem conseguir acessar o domínio www.youtube.com até a tarde desta terça-feira, quando o acesso foi liberado. A Telefonica também chegou a implementar o bloqueio, mas não divulgou o número de internautas afetados.

Zico Goes, diretor de programação da MTV, diz que já recebeu mais de 20 mil e-mails de protesto. "Obviamente não temos nada a ver com a história, a Daniela também não tem. Quem processou o YouTube foi o Renato Malzoni Filho, não ela", afirmou.

Brasileiros criaram o site www.boicoteacicarelli.com, em que apregoam o boicote à modelo e à rede de televisão MTV. "Eu já deletei o canal da minha TV, não assisto MTV até a Cicarelli sair do ar", dizia o internauta Caio no site. Há até vídeos que explicam como desprogramar o canal da televisão.

"A MTV se posiciona contra toda a censura e pela liberdade da expressão. Claro, a garotada ficou indignada. Mas repudiamos a história do boicote, porque ela flerta com o mesmo espírito fascista que quer atacar", diz o diretor da MTV.

O diretor teatral Gerald Thomas, que vive em Nova York, adotou recentemente o site de compartilhamento de vídeos YouTube para mostrar aos amigos no Brasil trechos de suas peças. Nesta segunda (08/01), quem acessou seu blog não conseguiu ver as cenas do novo espetáculo "Earth in Trance". "Não dá mais para ver o vídeo", dizia um visitante.

"Voltamos à era da censura?", questionou Thomas, irritado. "O passo seguinte é banir a Internet inteira, porque vídeos circulam pela rede mesmo antes do YouTube existir: tem que banir a imprensa também e qualquer fotografia."


Fúria virtual
Entre os comentários exaltados e dicas para burlar o bloqueio, um blog chegou a publicar um modelo de ação de indenização contra os provedores de acesso, por barrarem o acesso ao site de vídeos.

Mas isso não funcionaria, explica o especialista em direito eletrônico Renato Opice Blum. "O provedor não tem responsabilidade nenhuma, está só cumprindo uma ordem judicial", disse.

Segundo ele, uma alternativa mais rápida, menos polêmica e tecnicamente viável para o caso seria ter identificado quem está colocando o vídeo no ar e reprimido um a um, como fazem as gravadoras norte-americanas em relação aos piratas de MP3. "Acaba sendo uma divulgação do que pode e do que não pode, e ajuda a evitar a disseminação [do vídeo] por outros meios", afirmou Blum.

Reponsabilidade de quem?
No rastro da controvérsia ainda há a responsabilidade técnica pelo bloqueio, já que as operadoras de tráfego não têm como impedir o acesso a um único vídeo.

"Basta você entrar no YouTube hoje. O mesmo vídeo é apresentado de maneiras diferentes, com logotipos e edições diferentes. Mesmo que você faça análises com ferramentas de software para reconhecer o vídeo, não é possível capturá-lo", explica Carlos Afonso, do Comitê Gestor da Internet. "Se você entrar no sistema de troca de arquivos BitTorrent, então, há milhares de cópias. Quanto mais houver processos, mais o vídeo vai se disseminar."

Fóruns, blogs e comunidades virtuais parecem confirmar o que diz Afonso. Estão repletos de indicações de métodos para burlar o bloqueio ao YouTube, e também de links alternativos para assistir ao vídeo.

Na decisão por suspender o bloqueio, o desembargador Ênio Santarelli Zuliani pede que as operadoras de backbone informem ao Tribunal de Justiça de São Paulo as razões técnicas da impossibilidade de bloquear apenas o vídeo.

Protestos e censura
Para Márion Strecker, diretora de conteúdo do UOL, proibir o grande público de ter acesso a todo um portal por causa de um só vídeo foi uma medida extrema. "Decisões judiciais precisam ser acatadas, mas o UOL defende a livre circulação da informação e é totalmente contra a censura. O fato é que a Internet trouxe à sociedade as ferramentas para facilitar a publicação e a circulação livre da informação. O autor de um vídeo pode publicá-lo em muitos sites ou portais diferentes, em regiões e países diferentes", diz Strecker.

O tema também gerou polêmica na blogosfera. No site Technorati, buscador de blogs, o termo "Daniela Cicarelli" era o segundo mais procurado em blogs de todo o mundo desde domingo. Só perdia para "Saddam". O termo YouTube aparecia na quinta posição, e "Cicarelli" também estava em sexto lugar.

Outro blogueiro indignado com o bloqueio foi Marcelo Tas. Para ele, a ação judicial equivaleu a tirar uma revista de circulação devido à publicação de uma foto indevida. "Uma coisa é você processar um veículo que divulgue algo difamando você, e processar a pessoa que criou a difamação. Isso é legítimo. Outra coisa é você cercear a liberdade de expressão, e o sinônimo disso é censura", disse Tas.

Também circulou pela Internet um abaixo-assinado, no site www.petitiononline.com/brtube/petition.html, pedindo a intervenção do governo, com cerca de 7.500 assinaturas até o início desta terça-feira, quando foi suspenso o bloqueio. Comunidades no Orkut discutem a medida, e internautas exaltados também classificam de censura o impedimento de acessar o site.

Já Demi Getschko, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, acha exagerado falar em censura. "Na China [onde há censura da Internet], o bloqueio não é feito pelo Judiciário, mas pelo Executivo", diz. "Acredito não ter sido intenção do magistrado causar dano aos usuários brasileiros. Ele tentou fazer cumprir uma decisão, mas usou uma solução que extrapolou o objetivo e causou repercussão gigantesca."

O bloqueio
O bloqueio ao YouTube no Brasil cumpriu decisão liminar após ação movida por Renato Malzoni Filho, devido à publicação de um vídeo com cenas íntimas dele e sua namorada, Daniela Cicarelli. As cenas foram filmadas em Cádiz, na Espanha, no ano passado.

Na semana passada, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concedeu liminar em favor de Cicarelli, ex-mulher do jogador de futebol Ronaldo, e de Malzoni.

Nesta segunda-feira, a Brasil Telecom disse ter recebido ofício da Justiça e foi a primeira a informar que tinha bloqueado o acesso de internautas brasileiros ao YouTube, uma unidade do mecanismo de buscas norte-americano Google.

A Telefonica emitiu comunicado afirmando que "todas as empresas que possuem controle de tráfego de dados internacional" foram notificadas e que a determinação de bloquear o acesso ao YouTube no Brasil é "válida por tempo indeterminado". A empresa também confirmou o bloqueio no final de segunda-feira.

No início da tarde desta terça-feira (09/01), despacho do desembargador Ênio Santarelli Zuliani suspendeu o bloqueio ao YouTube. O próximo passo seria a Justiça notificar as operadoras dessa suspensão. O vídeo do casal, no entanto, continua proibido e as operadoras de tráfego da Internet deverão informar à Justiça as dificuldades em bloqueá-lo.

Com Reuters

Fonte aqui

Desembargador do TJ-SP manda desbloquear YouTube

Ou seja
Desembargador do TJ-SP manda desbloquear YouTube


por Maurício Cardoso

O desembargador Ênio Santarelli Zuliani, do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou nesta terça-feira (9/1) o desbloqueio do site de vídeos YouTube. Ele mandou "restabelecer o sinal do site YouTube, solicitando que as operadoras restabeleçam o acesso e informem ao Tribunal as razões técnicas da suposta impossibilidade de serem bloqueados os endereços eletrônicos".

No despacho, o desembargador explica sua decisão que acabou tirando do ar o site de vídeos YouTube. Segundo Zuliani, a decisão foi motivada pela negativa do site em cumprir uma decisão judicial e que só foi aplicada por uma suposta dificuldade em bloquear apenas o acesso ao vídeo das cenas de namoro na praia da modelo Daniela Cicarelli.

Zuliani sustenta mais uma vez, como já havia feito anteriormente em entrevistas à imprensa, que ordenou apenas que fossem tomadas “providências que impeçam o acesso dos internautas brasileiros ao vídeo das filmagens dos autores da ação”. E acrescenta em outro item de seu despacho: “Todavia, é forçoso reconhecer que não foi determinado o bloqueio do sinal do site YouTube”.

O desembargador afirma que tomou conhecimento que as operadoras de conexão internacional à internet bloquearam o acesso ao site do YouTube e não ao vídeo de Cicarelli, mas que isso se deve a dificuldades técnicas de bloquear apenas o vídeo.

Das cinco empresas que operam os troncos de conexão internacional (backbone), a Brasil Telecom e a Telefônica já foram notificadas judicialmente e chegaram a bloquear o acesso ao site.

Leia o despacho

AGRV.Nº: 488.184-4/3

Relator Des. ÊNIO SANTARELLI ZULIANI (4ª Câmara Direito Privado)

COMARCA: SÃO PAULO

AGTE. : RENATO AUFIERO MALZONI FILHO

AGDO. : YOUTUBE INC.

Vistos.

1. Tomei conhecimento do bloqueio do site Yotube, para cumprir decisão de minha autoria.

Observo que realmente concedi efeito ativo ao agravo interposto por Renato Aufiero Malzoni Filho, no sentido de serem adotadas providências que impeçam o acesso dos internautas brasileiros ao vídeo das filmagens dos autores da ação [Renato e Daniella Cicarelli Lemos] na praia de Cádiz, na Espanha.

Tal determinação decorre do poder concedido ao juiz para empregar meios de coerção indiretos [art. 461, § 5º, do CPC] no sentido de obter efetivo cumprimento das decisões judiciais. No caso, há um Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo [AgIn. 472.738-4], deferindo tutela antecipada para interditar toda e qualquer atividade, da internet, de exploração da imagem dos autores, por evidenciar ofensa aos direitos da personalidade.

2. É preciso dispor que a questão não diz respeito mais ao vídeo de Cicarelli, como ficou conhecida a matéria, porque o que está em análise é a respeitabilidade de uma decisão judicial. O Youtube não cumpre a sentença, o que constitui ofensa ao art. 5º, XXXV, da CF, uma ameaça ao sistema jurídico. As sentenças são emitidas para serem executadas.

3. O bloqueio do site está gerando uma série de comentários, o que é natural em virtude de ser uma questão pioneira, sem apoio legislativo. O incidente serviu para confirmar que a Justiça poderá determinar medidas restritivas, com sucesso, contra as empresas, nacionais e estrangeiras, que desrespeitarem as decisões judiciais. Nesse contexto, o resultado foi positivo.

4. Todavia, é forçoso reconhecer que não foi determinado o bloqueio do sinal do site Yotube. Essa determinação, que é possível de ser tomada em caráter preventivo, como esclarece o jurista português JÓNATAS E. M. MACHADO [Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema privado, Universidade de Coimbra, 2002, p. 1123], deve ser emitida com clara fundamentação e com total transparência sobre o direito de liberdade de expressão e informação, que não comporta censura [art. 220, § 1º, da CF]. Impedir divulgação de notícias falsas, injuriosas ou difamatórias, não constitui censura judicial. Porém, a interdição de um site pode estimular especulações nesse sentido, diante do princípio da proporcionalidade, ou seja, a razoabilidade de interditar um site, com milhares de utilidades e de acesso de milhões de pessoas, em virtude de um vídeo de um casal.

5. O relator agradece o empenho com que as operadoras agiram quando receberam os ofícios do Juízo de Primeiro Grau, para que fosse cumprida a decisão. Acredita-se que o fechamento completo do sinal de acesso ocorreu por dificuldades técnicas de ser criado o filtro que impeça o acesso ao vídeo do casal. Mas, não foi essa a determinação, pois o que se ordenou foi o emprego de mecanismo que bloqueasse o acesso a endereços eletrônicos que divulgam o vídeo, cuja proibição foi determinada por decisão judicial. Não há, inclusive, referência para corte do sinal na hipótese de ser inviável a providência determinada.

6. Para que ocorra execução sem equívocos, determina o relator que se expeça ofício ao digno Juízo para que mande restabelecer o sinal do site Yotube, solicitando que as operadoras restabeleçam o acesso e informem ao Tribunal as razões técnicas da suposta impossibilidade de serem bloqueados os endereços eletrônicos.

7. Fica registrado não estar excluída a imposição, pela Turma Julgadora, de medidas drásticas, como o bloqueio preventivo, por trinta dias ou mais, até que o Yotube providêncie a instalação de software, com poder moderador das imagens cuja divulgação foi proibida. Porém, essa é uma decisão de competência da Turma Julgadora e que poderá ser tomada na próxima sessão de conferência de votos dos Desembargadores. Ademais, a decisão definitiva dependerá das respostas técnicas das operadores que foram notificadas.

8. Oficie-se com urgência para que o Juízo transmita a contra-ordem, por sistema rápido de comunicação, de forma a concretizar o desbloqueio do site Yotube, mantida a determinação para que se tomem providências no sentido de bloquear o acesso ao vídeo de filmagens do casal, desde que seja possível, na área técnica, sem que ocorra interdição do site completo.

Intimem-se.

São Paulo, 9 de janeiro de 2007.

ÊNIO SANTARELLI ZULIANI

Relator

Revista Consultor Jurídico, 9 de janeiro de 2007

Fonte aqui

Censura cega

Desembargador paulista censura YouTube sem querer
por Priscyla Costa e Aline Pinheiro

O Brasil ganhou os holofotes da imprensa mundial no último final de semana. O motivo foi a determinação judicial para bloquear o acesso dos internautas brasileiros ao site YouTube, um canal da internet especializado em divulgar vídeos. A punição foi provocada pela suposta recusa do site em tirar do ar o vídeo que exibe cenas de ardente paixão da modelo Daniela Cicarelli e do empresário Renato Malzoni Filho, namorando numa praia espanhola.

A interdição do acesso à internet coloca o Brasil na companhia de países como China, Cuba e Irã, que não se destacam pelo apreço à democracia e à liberdade de imprensa. A maneira confusa como se formalizou a proibição revela a falta de entendimento da Justiça para atuar em questões que envolvam novidades tecnológicas como a internet.

A situação mostra ainda a inutilidade de se tentar impor medidas unilaterais de controle sobre a internet, que tem como uma de suas características fundamentais a falta de controles. A proibição de acesso ao YouTube, onde por sinal o vídeo já não se acha mais em exibição, não impediu que quem quisesse pudesse ver as cenas picantes de sexo implícito do casal nas centenas de outros sites que replicaram a peça.

Outra questão é a da territorialidade. Como a Justiça brasileira vai alcançar e impor suas decisões a sites da internet que podem ser acessados por brasileiros mas cuja administração está baseada em outros países. A única maneira de se obter algum sucesso é mediante a negociação.

Em nota enviada ao jornal O Globo, porta-vozes do YouTube esclareceram que o portal, criado por americanos, está subordinado às leis dos Estados Unidos. Como tem audiência-global, “se esforça para manter uma comunidade em que pessoas de todo mundo possam compartilhar vídeos de forma segura, dentro da lei”. O portal já bloqueou em seus servidores o acesso ao vídeo, mas o filme erótico ainda pode ser visto em blogs e sites de troca de dados.

O YouTube, que recentemente foi adquirido pela Google Inc., dona da mais importante ferramenta de busca na internet, bem que tentou atender à determinação da Justiça brasileira. No momento em que esta reportagem era escrita, o vídeo famoso estava fora da programação do YouTube. Mas no momento em que este texto estiver sendo lido, já poderá estar de volta.

Isto porque o sucesso do site está justamente na fórmula que permite a qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo divulgar na internet o seu próprio vídeo. O site tem uma política de privacidade que proíbe a publicação de material com conteúdo ofensivos de modo geral e exerce uma vigilância para eliminar material impróprio. O que permite um controle apenas relativo, já que a observância estrita da regra de bom comportamento depende de cada um dos seus usuários.

Confusão em cadeia

A ordem de bloqueio do site partiu do desembargador Ênio Santarelli Zuliani, da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Na quarta-feira (3/1), o desembargador concedeu a liminar porque o site não teria atendido decisão anterior do próprio TJ paulista, que determinava que o vídeo de Cicarelli fosse retirado do ar.

O que está escrito na decisão do desembargador, no entanto, é diferente do que ele quis dizer. Zuliani, por meio da assessoria de imprensa do TJ, explicou que determinou tão somente o bloqueio do acesso ao vídeo de Cicarelli, e não ao conteúdo de todo o site. Mas, no papel, ele vetou o acesso ao site. E como o que prevalece é a decisão nos autos, a Brasil Telecom e a Telefônica já foram notificadas. A primeira já bloqueou o acesso ao YouTube e a Telefônica, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que está tomando as providências para bloquear o acesso ao site.

Para tomar sua decisão, o desembargador fez uma consulta a especialistas em internet. O perito Paulo César Breim, autor de um dos laudos que fundamenta a decisão, explica que as medidas apontadas por ele são mesmo para tirar o site do ar. “É possível bloquear o acesso apenas ao vídeo, tarefa mais complicada. Mas não foi isso que foi pedido”, diz. O desembargador sustenta que sua intenção era de bloquear apenas o vídeo, mas em sua decisão deu ordens para bloquear todo o site.

Para que o bloqueio total do YouTube se compete, a ordem judicial deverá ser apresentada às cinco operadoras dos troncos de conexão com a rede mundial de computadores no Brasil, os chamados backbone. Além da Brasil Telecom e da Telefônica, também fazem essa ligação a Telecom Itália, a Embratel e a Global Crossing. A Telecom Italia e a Embratel não tinham sido notificadas para fazer o bloqueio até a tarde desta segunda-feira (8/1). A Global Crossing não foi encontrada pela Consultor Jurídico.

Discussão jurídica

Fora a discussão técnica sobre a possibilidade de retirar do ar parte ou todo o conteúdo de sites hospedados no exterior, a decisão do desembargador paulista também levou à discussão jurídica sobre o assunto. Para uns, a Justiça brasileira pode sim bloquear o acesso a site estrangeiro que infrinja a lei brasileira. Para outros, não.

O advogado Renato Ópice Blum faz parte da primeira corrente. Ele considera que, se houver pedido específico para o bloqueio do acesso, a Justiça pode atendê-lo. Ele explica que a Justiça brasileira também pode bloquear o acesso do site para um determinado público, desde que seja respeitado o devido processo legal. O fundamento desse entendimento, de acordo com Blum, está no artigo 461, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil.

O dispositivo legal diz: “na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”.

Outro artigo do CPC que pode fundamentar a decisão é o 20: “salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da Justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”.

Para Ópice Blum, os internautas que não estiverem conseguindo acessar o site não podem alegar que estão sendo prejudicados. “A Brasil Telecom (empresa que já bloqueou o acesso ao YouTube) continua oferecendo o acesso à internet, a conexão, que é o serviço em si. E quanto ao bloqueio, há cumprimento de ordem judicial, que ainda pode ser questionada por recursos específicos.”

A advogada Patrícia Peck Pinheiro divide a mesma opinião. “A Justiça Brasileira pode determinar o bloqueio de um endereço de IP ou domínio se o registro for considerado como ilícito ou contrário às leis brasileiras. Este bloqueio pode ser feito pelo Brasil”, diz. “Neste caso, as empresas que cuidam do backbone (Brasil Telecom, Telefônica, Telecom Itália, Global Crossing e Embratel) bloqueiam o acesso em suas bases e assim os usuários não entram mais no endereço eletrônico. Esta medida tem sido solicitada especialmente no combate a ambientes de prática de crimes eletrônicos, pirataria, fraude eletrônica.”

Quanto aos usuários em geral, Patrícia Peck entende que não há dano. “O usuário não está acima da lei. Ao contrário. Cabe a empresa, no caso o YouTube, recorrer da decisão. Pode até justificar que seus usuários serão prejudicados, mas a Justiça pode entender pela proteção do bem público, em detrimento de alguns.”

Omar Kaminski, especialista em Direito da Informática, encabeça a segunda corrente, que considera abusivo o bloqueio do site. “O bloqueio desastrado feriu o direito de acesso às informações do YouTube de forma generalizada, e não resolveu o problema. São iniciativas como essas que podem acabar com a internet como conhecemos.”

No caso Cicarelli, entra em jogo a questão da liberdade de expressão em contraposição ao direito à privacidade, mas esta é outra história e que já é discutida há tempos em relação a outras formas de manifestação do pensamento como a imprensa escrita e a televisão.

De qualquer forma, continua causando espécie que por conta de um conteúdo específico — o vídeo de Cicarelli com alguns poucos minutos de duração — seja bloqueado todo um site — o YouTube com seus milhares de vídeos e sua proposta de interação ampla, geral e irrestrita. Em um dos muitos comentários postados na internet a respeito do caso envolvendo a modelo e o site de vídeos, um leitor faz a pergunta que parece mais adequada: “quem deve sair do Brasil, a Cicarelli ou o YouTube?”.

Revista Consultor Jurídico, 8 de janeiro de 2007

Fonte aqui

Censura ao You Tube - Reportagem do Jornal da Globo 09/01/07