22.9.08

Deu na Veja, só falta dar no ensino...




Por Solange Pereira Pinto



Para grande parte da população urbana, domingo é dia de igreja, Veja, TV e futebol, não necessariamente nesta ordem. Ontem (21/09/2008), junto às notícias da crise americana, veio na revista uma matéria especial sobre o instigante escritor Machado de Assis que não freqüentou universidade, mas é ícone da nossa literatura.

Sabemos que a Veja é a revista semanal mais lida no Brasil. É falada e comentada, quase como centro do universo, nas escolas do país, principalmente faculdades. É tida como um meio de comunicação para se ler antes de fazer provas de concurso na área de conhecimentos gerais (!?). Ou seja, a Veja é para a maioria dos brasileiros “letrados” a maior fonte de informações.

Então, quando eu li na Veja o texto “Quem entendeu a nova avaliação do ensino?”, pensei: finalmente alguém para falar diretamente dos insumos e outras quantidades absurdas que têm virado moda por aqui. Cláudio Moura e Castro foi no x (certo da questão) e apropriadamente mostrou como índices podem não fazer qualquer sentido, principalmente quando se fala em educação.

Em certa altura ele disse: “finalmente, há o terceiro elemento, o Índice de Insumos. Trata-se de uma lista de descrições do processo de ensino, incluindo o número de doutores, docentes em tempo integral e outros. Pensemos no famoso Guia Michelin, que dá estrelas aos restaurantes franceses. O visitador vai anônimo ao restaurante e atribui estrelas se a comida e o ambiente forem muito bons. Jamais ocorreria pôr ou tirar estrelas por conta da marca do fogão, dos horários dos cozinheiros ou do número de livros de culinária disponíveis. Depois que a comida foi provada, nada disso interessa - exceto para algum consultor da área. Para escolher um restaurante, só interessam as estrelas, refletindo a qualidade da sua mesa. A avaliação da excelência de um curso é como as estrelas do Michelin. Para o público, conhecidos os resultados, os meios ou processos se tornam irrelevantes. Se o aluno aprendeu, não interessa como nem com quem - a não ser aos especialistas”.

Não preciso dizer mais nada... Agora me resta a esperança... Se deu na Veja, ainda que em apenas um artigo (muito bom por sinal), que dê agora também na cabeça dos brasileiros a reflexão: nem todo número informa, esclarece ou representa de fato a realidade. Qualidade não é quantidade. Veja abaixo o artigo comentado.










Quem entendeu a nova avaliação do ensino?





"Louvemos a coragem do MEC de gerar e divulgar avaliações. Mas parece inapropriado entregar ao público uma medida tão confusa"

Um médico que ficasse sabendo que seu paciente tem 88 batidas cardíacas por minuto, 39 graus de febre e um índice de 380 de colesterol teria os elementos iniciais para fazer um diagnóstico. Imaginemos agora que somássemos esses três índices e mostrássemos apenas o total. Seria um número sem sentido.


É tal espécie de soma que o MEC acaba de fazer, com o seu novo indicador de qualidade dos cursos superiores, o Conceito Preliminar de Avaliação. Ao somar três indicadores, deixa o público igualzinho ao médico do parágrafo acima. Pior, junta conceitos individualmente pouco conhecidos. Como o professor Simon Schwartzman havia partido antes na empreitada de entender essa química, juntei-me a ele na preparação do presente ensaio.


O primeiro número levantado pelo MEC é baseado em prova aplicada a uma amostra de alunos de cada curso. É o Enade (a nova versão do Provão), que mede quanto os alunos sabem ao se formar. É um conceito tão simples e poderoso quanto o resultado de um jogo de futebol. Só que não podemos comparar profissões, como faz o MEC, pois a dificuldade das provas não é a mesma. Se o Grêmio ganhou do Cruzeiro, isso não significa que é melhor do que o Real Madrid que perdeu do Chelsea.


Ademais, o MEC introduziu um complicador. Soma aos resultados da prova aplicada aos formandos a nota dos calouros na mesma prova. Ou seja, premia o curso superior que atrai os melhores alunos (a maioria deles oriunda de escolas médias privadas). Portanto, soma a contribuição do curso superior à do médio. Em uma pesquisa de que participei, 80% do resultado do Provão se devia à qualidade dos alunos aprovados no vestibular. Assim sendo, ele favorece as universidades públicas, pois sendo gratuitas atraem os melhores candidatos.



O segundo ingrediente do teste é o Índice de Diferença de Desempenho (IDD). O Enade mostra quais cursos produzem os melhores alunos. Contudo, um desempenho excelente pode resultar apenas de haver recebido alunos mais bem preparados. Em contraste, o IDD mede a contribuição líquida do curso superior. A idéia é boa. Em termos simplificados, calouros e formandos fazem a mesma prova. Subtraindo das notas dos formandos a nota dos calouros, captura-se o conhecimento que o curso "adicionou" aos alunos. Portanto, mede a capacidade do curso para puxar os alunos para cima, ainda que não consigam atingir níveis altos. É o que faltava na avaliação. Exemplo: na Farmácia temos uma escola com 5 no Enade e 2 no IDD. Temos outra com 2 no Enade e 5 no IDD. Embora a média seja a mesma, esconde mundos diferentes. A primeira forma os melhores profissionais, porque recruta bem, mas ensina pouco. A segunda produz alunos medíocres, mas oferece muito a eles. Cada indicador tem seu uso.


Finalmente, há o terceiro elemento, o Índice de Insumos. Trata-se de uma lista de descrições do processo de ensino, incluindo o número de doutores, docentes em tempo integral e outros. Pensemos no famoso Guia Michelin, que dá estrelas aos restaurantes franceses. O visitador vai anônimo ao restaurante e atribui estrelas se a comida e o ambiente forem muito bons. Jamais ocorreria pôr ou tirar estrelas por conta da marca do fogão, dos horários dos cozinheiros ou do número de livros de culinária disponíveis. Depois que a comida foi provada, nada disso interessa - exceto para algum consultor da área. Para escolher um restaurante, só interessam as estrelas, refletindo a qualidade da sua mesa. A avaliação da excelência de um curso é como as estrelas do Michelin. Para o público, conhecidos os resultados, os meios ou processos se tornam irrelevantes. Se o aluno aprendeu, não interessa como nem com quem - a não ser aos especialistas.


Mas há outras tolices. Um curso de filosofia em que todos os professores são doutores em tempo integral pode ser ótimo. Mas seria medíocre um curso de engenharia, arquitetura ou direito em que isso acontecesse, pois as profissões estariam sendo ensinadas por quem não as pratica. Esse curso ganha pontos pelo perfil dos docentes, justamente quando deveria perdê-los. Há outros desacertos técnicos que não cabe aqui comentar. Mas, como dito, a falha mais lastimável é a decisão de somar três indicadores que mal sabemos como interpretar individualmente. Louvemos a coragem do MEC de gerar e divulgar avaliações. Mas nos parece inapropriado entregar ao público uma medida tão confusa.


Claudio de Moura Castro é economista (claudio&moura&castro@cmcastro.com.br)

Data: 21/09/2008
Veículo: VEJA
Editoria: SEÇÕES
Assunto principal: ENSINO SUPERIOR MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

17.9.08

A história das coisas



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Assista ao vídeo e faça uma resenha crítica, apontando soluções que VOCÊ poderia tomar a curto, médio e longo prazo.

Cite ainda algumas políticas governamentais que você julga importantes, a partir do conteúdo explanado sobre "A hitória das coisas".

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Veja aqui o site sobre o documentário

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13.9.08

Abaixo o hábito de ler

Por Solange Pereira Pinto (escritora, professora e arte-educadora)


A escola da minha filha tem um programa de leitura chamado ciranda do livro. O objetivo é que cada criança pegue uma obra para ler no fim de semana e faça, na apostila encadernada em espiral, uma atividade pré-determinada (desenhar uma passagem, escolher um personagem favorito, ilustrar a idéia principal, fazer um breve resumo etc.).

Imagino que nem todos os alunos façam a tarefa de bom grado. No início a escola tentou uma competição: a criança que pegasse mais livros na biblioteca ganharia um prêmio ao término do período X. Minha filha logo chiou: “mamãe, assim não vale. Tá muito chata essa história de quem lê mais. Tem gente que só pega livrinho fininho e com muita figura pra ler rápido e pegar outro. Eu que escolhi pelo título, por que achei interessante a história, vou perder. O meu livro é muito mais grosso que os outros!”, choramingou.

Tinha ela razão. Vencer a competição era o objetivo das crianças sob o pretexto da escola de formar o hábito da leitura e quiçá cidadãos do futuro. Nesse meio tempo, crítica daqui, chororô acolá, ficou difícil para a professora lidar com a manobra “pedagógica”, deslindada pela pequena estudante.


O projeto competitivo saiu de cena e a apostila em espiral continuou seu trajeto, às sextas-feiras, mochila adentro; só que agora sem a pressão de se ser o primeiro lugar no ranking de “leituras lidas”. Algumas crianças ficaram aliviadas. Alguns pais também. Ufa!

Chegado o dia de mais uma escolha, minha menina, que se chama Ana (Luísa) optou por pegar um livro chamado Ana e Ana, segundo as palavras dela “achei pela capa que podia ser interessante”. E era. Aliás, é!

O livro de Célia Godoy, ilustrado divinamente por Fé, narra a história das gêmeas Ana Carolina e Ana Beatriz, que idênticas na aparência tentavam se distinguir por cores, roupas, adereços, ainda que “por dentro” fossem bem diferentes nos gostos e afinidades com o mundo. Cresceram e cada uma tomou um rumo, até que...

Até que eu parei para pensar se a leitura é um “hábito-ato” possível de se formar em alguém. Sendo professora há algum tempo e exatamente na área de produção de textos, leitura e interpretação, recordei das principais dificuldades e justificativas dos meus alunos quando perguntados sobre o tal, difundido, alardeado: hábito de ler!

Em geral, se apontam desconcentração, sono, preguiça, falta de exemplos familiares, ausência de livros em casa, dificuldade de entendimento, cansaço, visão embaralhada, e, principalmente, falta de tempo! Questionados sobre este último item, respondem: “ah, professora tem muita coisa melhor a fazer do que ler, como ver TV, praticar esportes, sexo, passear, navegar pela internet...”.

“– Mas céus! Vocês não gostam de ler nada?”, re-interrogo.
“– Também não é assim. A gente lê sobre o que gosta ou sobre o que precisa”.

Se tempo é uma questão de prioridade, e nele a gente ocupa primeiro o que dá prazer ou necessita, aonde entra o esforço pedagógico de formar o hábito de ler? Creio que na vala comum.

Diz o companheiro Houaiss que hábito é “maneira usual de ser, fazer, sentir, individual ou coletivamente; costume, regra, modo, maneira permanente ou freqüente, regular ou esperada de agir, sentir, comportar-se; mania”.

Ora, formar o hábito de ler para quê?

Em certa medida, quem tem uma formação escolar considerada razoável (sei lá o que isso significa) lê o que lhe atrai. Jornais, almanaques, cadernos de esporte, revistas semanais, publicações de fofocas etc, estão pelas esquinas e bem amassadas, indicando que mãos e olhos passaram por ali.

E daí?

Nada!

O hábito de ler, melhor formulando, a prática de ler não significa em essência nada. O costume de ler pode ser um desábito de adquirir conhecimento. Entrar no piloto automático da leitura não traz por si só transformação.

Se ler é um dos caminhos para se chegar ao conhecimento de determinado fenômeno, idéia, verdade, ler por ler é no máximo chegar à aquisição de dados brutos e informações superficiais, massificadas, deglutidas por seus autores para todos.

Hoje deveríamos por em pauta, conclamar, não o desgastado hábito de ler, mas sim o hábito de pensar, o hábito de querer saber, o hábito de ser curioso. Se os próprios considerados – pelos professores – não-leitores admitem ler o que lhes interessa, óbvio seria despertar antes a vontade de conhecer. Ler, por hábito, deveria deixar de ser regra de conduta apregoada pelas escolas. Transformar o pensamento e ampliá-lo por desejo, deveria ser a etiqueta.

Ler é mera conseqüência. A causa é querer sair do lugar-comum, voar sem tirar o pé do chão, pensar para existir... Meu hábito maior é “Ser” e por isso eu leio muito. Dessa forma, vou me desabituando de mim para me habituar às minhas releituras...





(Tirinha criada especialmente para este texto por minha amiga Creisi - veja outras tirinhas aqui)
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Elabore exemplos de como atividades educativas podem surtir efeitos contrários ao desejado.
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